Aquilo que aconteceu no Rio Grande do Sul pode acontecer em qualquer outro lugar. Inclusive aqui. Não faltam avisos da ciência, como não faltaram para os irmãos gaúchos. Será que ainda existem negacionistas?
É claro que eles estão por aí. Ou mentem, ou ignoram. Utilizam-se daqueles argumentos que nos conduziram ao desastre. Vamos aproveitar cada centímetro quadrado de solo. Mesmo que seja às margens dos rios e córregos. Vamos construir nas encostas. Que importa destruir o verde, se podemos edificar na terra dizimada?
A crença generalizada é a de que o desmatamento equivale a progresso. A velha concepção de que o homem foi criado para "dominar a natureza". O que, para os toscos, é acabar com a natureza.
Essa a posição preponderante. Difícil, lembra Ceso Rocha Barros, é "explicar que o dano ambiental pode reduzir nosso potencial de crescimento permanentemente". Demonstrar que "quem não desmata reduz o risco de enchentes e secas para todo mundo: com uma ou duas tragédias como a gaúcha evitadas, já economizaríamos mais patrimônio (para não falar em vidas)".
A palavra de ordem é resiliência. Adaptar a cidade para o enfrentamento daquilo que é inevitável. Mas também conscientizar a população de que cada um pode fazer alguma coisa.
Por exemplo: plantar mais árvores. As árvores atenuam a temperatura e se 2023 foi o ano mais quente da história, considerados cento e vinte e cinco mil outros anos, 2024 parece que vai suplantar esse indesejável recorde. As árvores também sequestram carbono e o transporte movido a combustível fóssil é o grande envenenador da atmosfera e causador do efeito estufa, que gera as mudanças climáticas. Além disso, elas produzem chuva, mediante o fenômeno da ecotranspiração.
Quanto mais árvores, melhor. Porque elas também permitem que a precipitação pluviométrica excessiva, as chuvas torrenciais, escoem naturalmente pela drenagem que é própria ao solo provido de cobertura arbórea.
Isso não é suficiente. É preciso resgatar os córregos enterrados para ceder espaço ao transporte mais egoísta que a humanidade já produziu: o automóvel. Esse veículo que transporta, em regra, uma só pessoa e causa males a um número infinito delas.
Soluções inteligentes como a criação de "jardins de chuva" estão disponíveis. É só arrancar um pequeno espaço cimentado, concretado, asfaltado, cavar a terra a uma profundidade de metro e meio. Depois, trinta centímetros de brita e terra fértil. Em seguida, plantar árvores ou arbustos. São válvulas de escoamento da água, que não vai formar torrentes e enxurradas e, portanto, não causará os males conhecidos.
Utilizar todos os espaços ociosos para formar pequenos bosques. As "pocket forests" que o mundo civilizado já faz. Além de tudo, eles permitem o retorno da fauna silvestre, a caminho da extinção, diante da crueldade humana.
Melhor ainda, seria recuperar os rios e fazer deles o que o Primeiro Mundo faz: espaços saudáveis de embelezamento e de prazer. Margens ocupadas por passeios, que permitam as caminhadas hoje feitas em calçadas às vezes estreitas, com a necessidade de se desviar de postes, outro atestado da nossa indigência. Pois o mundo adiantado já não tem fiação aérea, apenas subterrânea.
Por último, ter a coragem de remover os que, à falta de outra condição, ocuparam áreas insuscetíveis de destinação habitacional. Uma cidade rica tem condições de fazer isso. Ainda que a conta-gotas. Só é preciso juízo e vontade. Da parte do Poder Público, é claro. Mas também de parte da sociedade civil, que é a maior vítima dos impactos gerados pela mudança climática em uma comunidade que não se importa em mitigá-los, nem em adaptar a cidade para que ninguém morra por omissão perniciosa de quem tem obrigação de agir.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)