Todo mundo que me conhece sabe que no meu fone de ouvido U2 e Coldplay imperam absolutos. As duas bandas são as minhas favoritas e seus respectivos vocalistas são meus dois grande ídolos na música. E recentemente surgiu um conflito entre eles que fizeram todos os meus amigos virem correndo até mim para me perguntar com certo prazer sádico: "E agora!? Tá do lado de quem?"
Mas calma. Esse "conflito" fica só no título - dos portais de notícias de música que copiei de propósito para o meu artigo. Na verdade, Bono explica muito bem o que ele quis dizer com isso e somente quando você lê a matéria inteira, você entende, concorda e, nos casos mais felizes, pensa a respeito.
Como recebi uma enxurrada de mensagens que clamam uma opinião minha, resolvi gastar meu pouco latim e meu honroso espaço nesse jornal para dissertar a respeito. Afinal, quando o assunto polêmico da vez envolve as minhas duas bandas favoritas, fica difícil eu ignorar.
Primeiro vamos aos fatos. O que o líder do U2 disse sobre a música do Coldplay? Em um dos episódios da série Music Uncovered: The Genius Of Coldplay, da BBC Sounds, Bono fala sobre "Clocks," música presente em "A Rush of Blood to the Head" (2002), segundo disco de estúdio do Coldplay. "Isso meio que gruda em você, mais apertado que o próprio tempo", palavras de Bono trazidas pela reportagem de Felipe Grutter para a Rolling Stones Brasil.
Ainda segundo a revista especializada em música, o irlandês relembrou como deu "um soco no ar de uma forma viril, mas não agressiva" quando escutou a canção em questão pela primeira vez: "E então a sensação de: 'Ah, isso é simplesmente melhor do que a música de qualquer outra pessoa no momento.'"
"Devo mencionar que o Coldplay não é uma banda de rock. Espero que isso seja óbvio. Há algo muito mais interessante acontecendo lá, como os Isley Brothers ou algo assim," continuou Bono. "Eles não devem ser julgados pelas regras do rock… raiva é o rio que corre sob a maioria das formações rochosas [rock]. A música do Coldplay tem uma fonte diferente e acho que é melhor revelada nesta música 'Clocks.'"
Deu pra notar que, diferente do título sensacionalista, o vocalista do U2 rasgou elogios à trupe do Chris Martin. O ponto é entender que o rock não é o gênero máximo da música e que não ser classificado como tal não é demérito algum.
Mas os roqueiros - aqueles mais conservadores, que adoram vomitar nos quatro cantos do bar que "o rock morreu" - não pensam assim. Para eles nem Coldplay e nem U2 são bandas de rock. Tá, e qual o problema em não ser rock?
O Coldplay nasce do rock. E do rock britânico, um berço incontestável do gênero. Seus dois primeiros álbuns, inclusive, caminham sobre essas águas e colocam a banda em um patamar de sucesso logo no primeiro single, "Yellow". Mas depois, o Coldplay se rendeu ao Pop. Meu grande amigo e parceiro de banda, Jeckson Fernandes, nunca me deixa esquecer que prefere a "fase triste" do Coldplay. Eu rebato que gosto da "fase alegre". "Pô, Jeck, os caras sairam da tristeza... deixa eles serem felizes", brinco.
O Coldplay gosta de fazer músicas felizes e é por isso que Bono diz ser tão óbvio a banda inglesa não ser rock. Se o rock tem em seu DNA a raiva, as músicas do Coldplay passam longe do gênero por isso. Mas, o Coldplay dá lampejos de rock in roll uma vez ou outra. Ouça a música "People of the pride", do mais recente álbum da banda e você vai entender o que eu estou dizendo.
E sobre o U2? Roqueiros de plantão adoram dizer que os irlandeses também não são rock. E o critério deles - e já ouvi isso da boca de alguns - é que o U2 mais parece aquele primo educado que te visita no natal e que pede pra tocar sua guitarra. Podem até parecer rock, mas não são.
No livro "Walk on: A Jornada Espiritual do U2", de Steve Stockman, o autor diz que "Para esta banda, era mais rebelde ler bíblias no fundo do ônibus do que provar drogas" e "aquela coisa toda de estrelas do rock jogando seus carros dentro de piscinas". Ou seja, o U2 provava sua rebeldia - base do rock - sendo rebelde contra o próprio rock.
Além disso, o rock se tornou chato, cafona e conservador. Tudo o que ele lutou contra quando surgiu. Então, pra mim, tá tudo bem minhas duas bandas favoritas não serem consideradas rock.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)