OPINIÃO

Drones ecológicos

14/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Os drones têm servido para muita coisa. Chegaram e dominaram o espaço administrado por jovens antenados com o mundo web. Vejo drones acompanhando manifestações e eventos. Em casamentos, colhendo fotos que nunca poderiam ser produzidas pelos profissionais.

Infelizmente, eles podem servir ao mal. Como aqueles que lançam bombas nas incríveis guerras que acontecem hoje, na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Mas o uso das criações humanas depende da consciência do utente. É como a faca: serve para descascar maçã, mas também para matar um desafeto.

O uso do drone que merece aplauso é o de semear para repor o verde nas máculas abertas pela nossa cupidez, de braços dados com a ignorância. Um combo de boas invenções tem sido utilizado para o replantio nas áreas dizimadas na Barra do Sahy, no litoral norte paulista.

Essa alternativa restaurará mais de duzentos hectares de mata atlântica devastados pelas chuvas que também mataram sessenta e quatro pessoas em fevereiro de 2023. O trabalho do Instituto Verdescola, uma ONG que resgatou vítimas na noite da catástrofe, em conjunto com o Instituto Conservação Costeira e a Fundação Florestal de São Paulo, cuidaram de promover a iniciativa. Também participaram a Atlântica Consultoria Ambiental e a Ambipar Group, numa união entre humanos e máquinas. Foi elaborado um software de inteligência artificial que mapeia as altitudes do terreno, mede a temperatura do solo e estabelece o plano de voo com os pontos exatos da semeadura.

Não é algo aleatório: um drone lançando sementes. A empresa de gestão ambiental desenvolveu a biocápsula com sobras de colágenos da indústria farmacêutica. Em laboratório, acolhe um mix de sementes de árvores, muitas das cooperativas caiçaras - e adubo orgânico feito com resíduo da indústria de papel e celulose.

O invólucro protege a biocápsula contra insetos e, em contato com a água, se dissolve e libera um gel nutritivo, que propicia a germinação. Em apenas um voo, o drone libera vinte mil sementes em um hectare. É preciso semear na época de chuva e, em alguns meses, a cobertura vegetal ressuscitará.

Esse projeto da Barra do Sahy prevê mais de uma tonelada e duzentos quilos de sementes da flora da mata nativa. Primeiro, as espécies chamadas "pioneiras", plantas arbustivas que conseguem se desenvolver em áreas adversas. Dentre elas, araticum, guapuruvu, embaúba, pau-viola e babosa-branca. São as espécies indicadas pela Fundação Florestal de São Paulo, responsável pelas unidades de conservação estaduais, para a primeira cobertura do solo.

Esse programa pode merecer escala e se disseminar por outros municípios brasileiros. A Mata Atlântica está sendo exterminada, o que pouca gente observa, pois a atenção planetária contempla mais a região amazônica. Uma iniciativa como essa tem carga simbólica bem relevante. É preciso que o século 21 seja a era da restauração ambiental.

Jundiaí, por exemplo, tem a Serra do Japi, que aos poucos vai sendo engolida - principalmente na área de entorno - pela intensa edificação que, paradoxalmente, "vendendo" a Serra, como atrativo, pode sacrificá-la. Não vejo a ampliação de seu perímetro, o que ocorria em gestões anteriores. É preciso conscientizar a sociedade civil a se apossar dessa cruzada de salvação da humanidade, que passa pelo efetivo reflorestamento das áreas degradadas.

Vamos começar com os drones ecológicos. Primeiro passo para a conversão do insensível para a consciência ecológica.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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