OPINIÃO

E acordei nesse mundo doido

09/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Parte II

Dia desses um rapaz veio falar comigo, me corrigir por estar malhando errado, até achei que era algum monitor da academia, mas não, era só um garoto prestativo que veio me mostrar como fazer um exercício de corda. Achei estranho ele estar ali malhando (sim eu sei que hoje o termo é treinar, mas ainda não consegui me adaptar) naquele horário e resolvi perguntar:

"Malhando aqui este horário? Geralmente o pessoal da sua idade costuma malhar a noite ou logo cedo."

"O pessoal da minha idade? Quantos anos acha que eu tenho?"

"Trinta e um?!"

"Chegou perto, tenho trinta e seis, mas é que não gosto de toda aquela agitação e pessoas se exibindo, prefiro vir nesse horário que é mais tranquilo pra treinar."

"Ah, sim, realmente. Obrigado pelas dicas com o exercício."

"Disponha."

Confesso que depois da nossa conversa fiquei reparando nos braços torneados do garoto. Até tentei disfarçar, mas ele percebeu. Fiquei um pouco sem graça, mas também... olhar não faz mal algum.

No dia seguinte ele não estava lá, achei estranho, mas segui meus exercícios. Mas depois de uma semana que o rapaz não aparecia comecei a pensar que talvez meus olhares tivessem afugentado o garoto.

Quase duas semanas depois eu já havia me esquecido dele quando estava arrumando minhas coisas pra ir embora e me assustei com uma mão em meu ombro.

"Oi, tudo bem? Desculpe te assustar, mas é que desde aquele dia que conversamos um pouco eu fiquei pensando se não gostaria de sair pra tomar um café ou algo assim qualquer dia desses?"

Eu não acredito que o gatão da academia está me chamando pra sair. O que eu faço?

"Oi, não me assustou. Sobre sair eu não sei, é que acabei de sair de um relacionamento. Não me sinto confortável."

"Entendo, mas acho que trocar telefones e conversar não tenha mal algum. Certo?"

"Certo!"

E assim trocamos telefone. Tem quase uma semana que compartilhamos memes, mensagens e algumas piscadas na academia. Não sei se vou conseguir suprir esse vazio que tenho no peito, mas resolvi aceitar o convite. Afinal de contas nunca se sabe né? E se for pra preencher essa angústia aqui dentro, por que não com café?

Na minha cabeça ainda vêm pensamentos sabotadores do tipo: "O que os vizinhos vão falar quando me vir entrando no carro de um homem mais novo?" ou "O que eu falo pra Nandinha?" "Será se ela vai pensar que eu quero substituir o pai dela?".

Quando na verdade eu só quero viver. Uma amiga também divorciada disse que existe vida após o divórcio, pois bem... Resolvi ver como é.

É tão difícil achar um papo legal, que quando ele vem até você e ainda te dá dicas de academia, é melhor deixar o vazio de lado e ver o que o futuro nos reserva.

Acho que esse sentimento ruim que fica aqui no peito sempre vai me acompanhar. Sempre que o Arnaldo vai lá em casa buscar nossa filha eu sinto que meu ex é um portal para o passado. É a vida me mostrando meus erros e meus acertos.

Eu não acredito que o fim seja só minha culpa, ou só dele, mas é que por mais que eu grite isso aqui dentro o vazio não vai embora.

Acho que aceito esse meu novo companheiro, mas pelo menos por hoje eu o deixo no armário e saio pra viver a vida.

Uma nova vida de descobertas.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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