OPINIÃO

'Os Ratos'


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Romance de Dyonélio Machado, "Os ratos" é daquelas narrativas que deixam o leitor asfixiado, com vontade de abrir quantos janelões houver por perto. Conta um dia na vida de Naziazeno, funcionário público miúdo vivendo na capital gaúcha na década de 1930. Endividado desde sempre, o protagonista se vê ameaçado pelo leiteiro, a quem deve pagar até a madrugada seguinte um certo valor. Mas vamos explicar: houve um tempo em que o leite era entregue de casa em casa, entre a madrugada e o amanhecer, por leiteiros assentados em charretes puxadas por burros ou cavalos.

Pagava-se por mês o volume consumido. No caso, Naziazeno e sua mulher Adelaide estão devendo (não se diz há quanto tempo) e precisam pagar até o dia seguinte. O leiteiro lhes deu mais um dia e saiu furioso da casinha de subúrbio. O casal tem um filho pequeno, Mainho. Naquela casa humilde, já foram cortados o gelo e a manteiga (lembre-se o leitor de que geladeira elétrica só aparece alguns anos depois). O marido tenta minimizar o estrago que a falta do leite traria. A mulher, chorosa, lamenta pelo filho. O homem sai para o trabalho, com a missão de conseguir o dinheiro.

O protagonista está devendo há tempos a consulta ao médico que salvara a vida do filho, deve também ao chefe da repartição que pagou remédios para o garoto. Naziazeno deve. E precisa de mais dinheiro para quitar nova dívida. Na repartição, acompanha-se sua rotina monótona. E sua obsessão de conseguir o dinheiro, talvez dando uma nova "mordida" no chefe, que ainda não chegara ao escritório. Sai no horário do almoço, mas não tem como pagar os restaurantes da região, nem quer voltar para casa. Vaga pelas ruas, atrás de quem lhe possa socorrer (de seus credores desvia o olhar). Entra numa casa de jogos, passa por escritório de penhores, encontra um grupo de conhecidos e eles tentam arrumar a quantia redentora.

O livro é curto, pouco mais de cem páginas; o tempo, escasso - as citadas 24 horas -, mas o leitor fica enredado na miserável epopeia de personagem tão minúsculo e tão real, sufocado sob atmosfera que pouco lhe oferece.

Dyonélio Machado nasceu em Quaraí, cidade do interior do Rio Grande do Sul, em 1896. Formou-se em medicina em 1929, especializando-se em psiquiatria. Conciliou medicina, literatura e atividade política (foi deputado estadual na assembleia gaúcha, sendo cassado e preso pela ditadura de Getúlio Vargas na década de 1930). Estreou com o livro de contos "Um pobre homem", de 1927. "Os ratos", de 1934, foi seu primeiro romance, e por ele recebeu o Prêmio Machado de Assis, conferido pela Academia Brasileira de Letras.  Dyonélio inscreve-se no que se convencionou chamar de "literatura intimista", em polo distinto das obras político-sociais tão prestigiadas nos anos de 1930.

Na prosa intimista, o autor mergulha no universo pessoal, analisa o interior de personagens envolvidos por realidade opressiva e alienante. O mineiro Cyro dos Anjos e o carioca Otávio de Faria destacam-se nessa vertente, a qual vem se juntar na década seguinte a mestre Clarice Lispector.

Dyonélio Machado morreu em Porto Alegre, onde morava, em 1985.

Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)

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