OPINIÃO

Mas você só fala nisso?

29/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Como já escrevi aqui, adoraria tratar de outros assuntos mais suaves, mas não há jeito mesmo. Infelizmente!

Enquanto toda essa maldade e diferenças não reduzirem e, enquanto tiver forças, tentarei fazer a minha parte de, pelo menos, despertar reflexão com olhos a conscientização e aproximação maior da verdade.

Sem falsa modéstia, muitas pessoas criaram coragem e humildade em vir até mim, pessoalmente ou mesmo pela rede social, afirmando que o olhar, pensamento e condutas mudaram a partir da leitura destes textos, o que me envaidece e deixa a sensação de realização e orgulho.

Como disse, não há jeito mesmo, diante dos abusos amplamente noticiados, desde o daquela senhora com mais de setenta anos de idade vivendo no Estado do Rio de Janeiro em regime de escravidão; aquele pai que agrediu uma menina negra com 4 anos de idade em uma escola pública em Campo Grande (MS) com a alegação de que o agressor "só gosta de quem tem olho azul"; no município de Novo Horizonte (SP), onde também uma menina com 12 anos de idade ofendida por cinco meninos chamando-a de macaca, seguindo por pisoteá-la e agredida com arremesso de fezes de gato; aquele jovem negro esfaqueado por um homem branco no Rio Grande do Sul e, além da ofensa, estranhamente foi preso pela polícia militar; de mesmo modo um jovem negro, 100% inocente, preso pela PM; aquela mulher que ofendeu negros em um clube na cidade de Piracicaba com atitudes racistas, confirmadas inclusive pelo presidente do Clube e Policia Militar...

Esses fatos são apenas uma ponta desse iceberg, que me impedem de abordar assuntos diversos e mais suaves.

Importante também manter presente o tratamento dado às pessoas negras em todos os ambientes, sejam públicos ou privados, onde esse segmento ainda é maldosamente destratado, excluído e vitimado apenas em razão da cor da pele, alcançando, lamentavelmente, o Judiciário, tanto que o presidente do STF, em plenário, categoricamente afirmou que um homem negro portando 10g de maconha será considerando "traficante" e enviado à prisão, enquanto um branco surpreendido com 100g será considerado "usuário" e colocado em liberdade. É assim que as pessoas negras são vistas e avaliadas na e pela sociedade.

Por qual razão esse entendimento é diferenciado? No Judiciário, onde, em tese, seria a última porta que o cidadão pode bater buscando proteção, age dessa forma! De que modo manter silêncio diante disso?

A resposta a essa angústia, a meu sentir, parte da base curricular com a implementação efetiva da Lei nº. 10.639/03, que obriga o ensino da história da África e afro-brasileira em todo o patamar educacional, chegando, por analogia, ao Judiciário em cumprimento à Resolução 492, de 17 de março de 2023, do Conselho Nacional de Justiça, obrigando a capacitação continuada dos magistrados e magistradas relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia, o que, como disse, a meu sentir, além de desmistificar o estereótipo maldoso imposto às pessoas negras, favorecerá, em muito, na redução dessas maldades e desigualdades, com a resposta mais severa, na forma da lei, contra as agressões.

Outro setor muito sensível é a religião, onde muito da prática discriminatória se verifica iniciando com a ostentação de símbolos religiosos nos espaços públicos, que deveriam ser evitados e até proibidos em nome da laicidade, pois que, ao prestigiar um determinado segmento religioso, todos os demais são discriminados e isso a Constituição Federal criminaliza.

Assim, dúvidas não pairam de que na Educação é que a solução contra tais mazelas surtirão o efeito desejado, vez que a reprodução dos estereótipos negativos se reduzirá e, consequentemente, as pessoas negras passarão a ser avaliadas enquanto seres humanos detentores de direitos e deveres em igualdade de condições.

Por final cabe a lição deixada por Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se pode aprender a odiar elas podem ser ensinadas a amar".

Eginaldo Honorio

é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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