OPINIÃO

Passatempos de Nélson Rodrigues

20/03/2024 | Tempo de leitura: 2 min

O teatrólogo, cronista e romancista Nélson Falcão Rodrigues (1912/1980) foi desde sempre um polemista, bem disposto a esmiuçar temas espinhosos e enfrentar públicos irados. A partir dos anos de 1940, quando estreou como dramaturgo, e ao longo das décadas seguintes, como cronista de jornal, Nélson Rodrigues colecionou desafetos e arrumou tretas as mais diversas no meio cultural e na cena política do país. Pois não é que uma editora achou modo de saborear o autor sem causar engulhos ou má digestão? Explico: o selo Coquetel lançou um livreto divertido e instrutivo chamado "Nélson Rodrigues em passatempos – mais de cem jogos sobre a vida e obra do escritor". O leitor não precisa ser especialista na bibliografia do dramaturgo para percorrer as páginas do volume e enfrentar palavras cruzadas, caça-palavras e roletas a respeito do escritor. E curtir as muitas máximas que ele criou e que se transformaram em uma de suas marcas insuperáveis: "Nunca viajo porque, a partir do Méier, sinto saudade do Brasil"; "o ser humano pode ter todos os defeitos, menos o da imparcialidade". Cronista dos mais populares que o Brasil já conheceu -- sua coluna "A vida como ela é", no jornal carioca "Última hora", era campeoníssima de leitura --, lançou expressões que passaram a fazer parte do dia a dia dos falantes nativos e de gringos aqui radicados (o professor e filósofo francês Michel Debrun, por exemplo, disse ter aprendido a ler português acompanhando o cronista): "idiotas da objetividade", "quadrúpede de vinte e oito patas", "complexo de vira-latas", "Narciso às avessas que escarra na própria imagem"... A coleção é ampla. Escritor popular, mas longe da unanimidade, porque, como ele mesmo dizia: "Toda unanimidade é burra", Nélson gostava de provocar. Para parte do público, era um pornógrafo, alguém chafurdando na abjeção humana; para outros, um reacionário maldito. Amaldiçoado e proibido, com obras censuradas em tempos democráticos ou autoritários. Na década de 1960, a juventude balançava alicerces com a contracultura, o rock, as passeatas, e Nélson provocava: "a juventude tem todos os defeitos da madureza e mais um: o da inexperiência". Qual conselho ele daria para a mocidade? "Jovens, envelheçam."

No livro de joguinhos, acompanha-se a vida desse pernambucano radicado no Rio de Janeiro, para quem a família era fundamental. Encantado pela mãe, admirador do pai e dos irmãos, Nélson teve a vida abalada por tragédias: seu irmão Augusto foi assassinado na redação do jornal dirigido pelo pai, Mário Rodrigues. Esse mesmo jornal que acabaria destruído por arruaceiros logo depois do golpe de 1930. Outro irmão, o também jornalista Paulo Rodrigues, morreu soterrado junto com esposa e filho quando sua casa ruiu e escorreu encosta abaixo durante temporal no Rio de Janeiro. Essas perdas são temas recorrentes em sua obra. Assim como as inúmeras histórias do mundo cão que colecionou como repórter no jornal <ctk:-10>do pai: "Todo o meu teatro tem a marca de minha passagem pela reportagem policial". Fica o convite para passar o tempo com Nélson Rodrigues.     

Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)

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