OPINIÃO

Do fel ao mel

15/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Não é preciso sentir o gosto amargo do fel para dar valor ao mel, na mesma linha do que já escrevi nesta coluna, no sentido de que muitos daqueles que se dizem orientadores e aplicadores de instruções ou ensinamentos, não precisam experimentar o amargor para dar valor ao que é doce.

Sem qualquer sombras de dúvidas é poética essa chamada, mas serve muito bem para reflexão.

Já escrevi que não é preciso que estejamos vivendo em ambiente com família de pessoas usuárias de drogas; não é preciso viver em ambientes sem recursos de qualquer espécie, seja de desenvolvimento urbano, violência, difícil acesso, pobreza extrema; compartilhar agruras das pessoas deficientes porém, mais próximas dessas realidades.

Com devido respeito, verificamos a todo momento pessoas decidindo e mencionando modos de vida sem sequer passou por perto desses lugares. Exemplo: como é que um homem pode avaliar a dor do parto? Como é que a pessoa dita normal avalia as dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência? Como é dar crédito às pessoas brancas ou negras, avaliando pessoas diferentes?

Nessa caminhada trago entendimento do Juiz que passou por Jundiaí (Dr. Paulo Roberto Ferreira Sampaio), ao decidir um caso de ofensa racial, fez constar da sentença trecho exemplar como segue: "4ª) que não se detecte qualquer resquício de pieguice ou demagogia nesta afirmativa, mas o fato é que para se ter ao menos uma noção do que significa ser discriminado, sobretudo pela cor de sua pele, seria necessário, logicamente no plano hipotético, que cada um de nós vivesse por pelo menos um mês no lugar de uma pessoa negra, e sofrêssemos tudo o que um indivíduo nessa condição sofre; talvez, só assim possamos nos conscientizar da gravidade do racismo, ainda, lamentavelmente, muito presente em nossa sociedade, apesar de toda a evolução cultural que recomendaria o contrário".

Nessa mesma linha o presidente do STF descreveu exatamente a avaliação absurdamente aplicada contra pessoas brancas e negras, afirmando que uma pessoa negra, portando 10 gramas de droga é considerada traficante e a branca com 100 usuária. Vejam que a cor da pele influi no tamanho da pena e não o delito propriamente dito.

De mesmo modo, o ministro dos Direitos Humanos (Dr. Silvio Almeida), disse que se não estudar é problema e que se estudar também é problema por que é negro! Como assim? É assim que as pessoas negras são avaliadas!

Lembro também de um programa de televisão chamado "Chefe espião", onde o presidente da empresa se infiltra junto aos trabalhadores e sente na pele suas próprias determinações, confirmando que uma coisa é ditar normas atras de uma mesa em ambiente confortável (ar condicionado, cafezinho, água fresca, etc) e outra coisa enfrentar o chamado "chão de fábrica", onde, em vários episódios, chegavam às lagrimas. O que se pretende com isso é fazer com que as pessoas, independente da posição social ocupada, pratiquem empatia antes de avaliar.

Nesse sentido não é preciso sofrer para avaliar quem sofre, mas estar mais perto dessa realidade é fundamental e recomendável.

Depois que ajudei a uma pessoa em cadeira de rodas e, confesso, foi muito difícil. Em primeiro lugar porque as calçadas são carregadas de obstáculos e, naquele momento, a melhor solução foi caminhar pela rua; em segundo lugar a empunhadura da cadeira não oferece segurança alguma e, por final, ainda que não queria, mas a todo momento encostava a canela nas nádegas da pessoa, gerando constrangimento. Assim, antes de avaliar ou criticar experimente. N'outro momento observei uma pessoa cega em restaurante "self service" passando por dificuldade enorme na escolha do prato pois não tem como optar pela aparência do alimento, se dirigir até a balança e escolha da mesa e até mesmo para comer! Impossível se não estiver acompanhada.

Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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