OPINIÃO

Semana Santa: não extinguir o Espírito!

10/03/2024 | Tempo de leitura: 4 min

Caminhamos para Jerusalém. Pouco a pouco, a proximidade da Semana Santa faz com que a experiência concreta do Espírito seja sentida em nossa vida de fé. O percurso quaresmal nos convida a estreitarmos entre nós os laços da amizade social, conforme o tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Nesse sentido, a missão evangelizadora de Jesus, presente em toda sua pregação, mas, em especial, no Sermão da Montanha, é um convite para estendermos a compreensão dos mandamentos. Trata-se de enxergarmos no caminho das leis recebidas pelo povo no deserto não apenas uma proibição ou um conjunto de prescrições ritualísticas, mas um processo de abertura ao Espírito. Assim, aprofundando o sentido da amizade social, gostaria de apontar caminhos para que na nossa vida cristã jamais extinguamos a ação do Espírito, presente nas nossas relações humanas, eclesiais e sociais. É tempo de fazer a passagem! Vamos preparar a Páscoa definitiva daquilo que mata para aquilo que promove a vida e a santifica em nossos corações!

A travessia dos quarenta dias da quaresma corrige em nós as imperfeições que ainda nos distanciam da verdadeira fraternidade humana. Trata-se de um processo de purificação e revisão de vida para adentrarmos com Jesus em Jerusalém e mergulharmos no mistério de sua morte e ressurreição renovados pela penitência. A quaresma remonta também ao tempo profícuo do deserto ao qual o povo de Deus foi submetido logo após a saída da escravidão do Egito. A longa peregrinação rumo à terra prometida fez com que nossos primeiros pais fossem testificados na sua fé. Ao receber as tábuas da Lei no alto do Sinai, Moisés traduziu a relação de Deus com seu povo em mandamentos que orientaram a trajetória dos filhos de Israel através dos tempos. Todavia, a Lei devia ser também um caminho de conversão das relações humanas. Para nós, povo da nova e eterna Aliança, a Lei não está mais escrita em tábuas ou pedras, está inscrita nos nossos corações. Essa é a maior herança que recebemos por ocasião do nosso batismo: a presença viva do Espírito em nossas vidas! Assim, a Lei já não se trata apenas de um código legal, mas de uma memória viva do Ressuscitado em nós.

A Boa Nova do Reino anunciada por Jesus nos faz avançar na compreensão dos mandamentos. Diante da exigência: "não matarás!", o Senhor expande seu significado para algo que vai além da mera morte física. Mata-se quando se extingue o Espírito das relações humanas. Mata-se quando o sussurro do pecado penetra nossas instituições e comunidades pelo desejo de derrotar o próximo, tornando-o um "distante" para nós. Mata-se quando a indiferença em relação a vida cria processos de exclusão e cancelamentos, apagando em nós a presença viva e real do outro. Extinguimos o Espírito quando deixamos de percebê-lo no rosto do irmão. Extinguimos o Espírito quando nos deixamos matar lentamente pelas divisões que ferem nosso corpo eclesial. Extinguimos o Espírito quando, no caminho para Jerusalém, brigamos mais por ocupar os melhores lugares no Reino do que mirar a cruz que nos salva.

Nesse sentido, a proposta da Campanha da Fraternidade é de estabelecermos pontes em direção ao diferente. É de reconhecer que o Espírito substitui a uniformidade que diminui pela diversidade que multiplica os dons. Trata-se de ampliar os nossos horizontes de compreensão do mundo, construindo caminhos de abertura ao invés de fechamento. Amizade social é oferecer proximidade e afeto ao invés desconfiança. É ir ao encontro dos irmãos que sempre devem ter lugar privilegiado em nossas mesas. E recordá-lo que a mesa continua posta! Vivemos tempos difíceis de extremismos. Diante da força dos algoritmos que nos dividem e ideologicamente conforme os interesses do poder, não raramente reproduzimos a lógica sectária de excluir o diferente. Cancelamos para não termos que dialogar. Fechamos os ouvidos e nos cercamos de iguais que nos acalentam fragilmente em nossas redomas virtuais. Apagamos rostos. Sufocamos o Espírito. Na caminhada para Jerusalém, assim como Verônica, somos chamados a enxergar e enxugar! A face do Cristo sofredor permanece impressa na violência que subjuga e elimina.

A Páscoa que se aproxima é o momento oportuno para realizarmos uma verdadeira mudança em nossas atitudes. Como é próprio do rito que celebraremos na noite do Sábado Santo, renovaremos as promessas do nosso batismo e renunciaremos ao demônio, ao pecado e às divisões que ainda subsistem entre nós.

Queridos irmãos e irmãs, convido-os a preparar uma Páscoa diferente em nossas famílias e comunidades. Convido-os a clamar pela presença do Espírito Santo e a permitir sua ação reconciliadora em nós. Já podemos vislumbrar os primeiros raios de Sol da manhã daquele domingo onde a vida vencerá a morte. Extingamos de nós aquilo que ainda não nos permite nos vermos como irmãos e irmãs! Vamos fazer da Semana Santa um momento propício para enxergar o Espírito no outro, que ao redor da mesma mesa comerá a Páscoa conosco.

E que nesse entrecruzar de olhos, nossa Ressurreição comece a ser vista!

Boa Semana Santa a todos!

Dom Arnaldo Carvalheiro Neto é Bispo Diocesano de Jundiaí (verboadm@dj.org.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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