O homem tem sede. Água, neste século, é uma grande preocupação. Paradoxal que o país em que ela é abundante, seja relapso em relação aos cuidados imprescindíveis para que ela não venha a faltar.
Poucos se detêm a pensar que, em 1800, havia pouca gente habitando as cidades e que, em 2024, mais de 70% da população seja urbana. E que, dentro de algumas décadas, isso chegará a mais de 90%. Com isso, não existe água saudável suficiente para todos. Haverá racionamento de uma água cada vez mais cara. Prevê-se até que os próximos conflitos mundiais não contemplem o petróleo, mas a água. Sem ela não se vive, ao contrário dos poluentes, nocivos e venenosos combustíveis fósseis.
Mas não é só dessa água que o homem tem sede. E quando falo "homem", entendam, queridas eventuais leitoras, uso da expressão genérica que serve para designar "ser humano". De qualquer gênero. O animal racional, aquele que tem necessidades orgânicas, físicas, metabólicas, mas também tem necessidades espirituais.
Nesse ponto, recomendaria a leitura de "Vida e Santidade", de Thomas Merton, monge cisterciense falecido em 10 de dezembro de dezembro de 12.1968, mas que continua cada vez mais atual.
No prefácio para a obra, Alceu Amoroso Lima - que se destacou na mídia com o pseudônimo "Tristão de Ataíde" - observa que "os revoltados, os inquietos, os inflamados, os que sentem tanto horror aos extremismos secularistas como à mediocridade burguesa, ao ativismo social como às evasões angelistas, todas as almas ardentes que querem viver intensamente a vida moderna, mas ainda mais intensamente a vida espiritual, sem se submeterem à servidão do mundanismo, ou ao refúgio do angelismo, encontrarão nesse monge norte-americano, francês de nascimento, o mais seguro dos roteiros".
Thomas Merton era uma cultura singular, com veia poética similar à de Paul Valéry ou Eliot e sua "capacidade de atender aos extremos sem cair jamais na mediocridade ou no ecletismo é o segredo de sua atualidade", concluía Alceu.
A busca desenfreada pela matéria, as requisições do mundo, a competitividade, a inflação de informações imposta pelas redes sociais, tudo isso torna os humanos vulneráveis a toda espécie de crises. Nunca houve tanta necessidade de terapeutas, psicanalistas e psiquiatras. Recrudesce a busca por medicamentos antidepressivos. Amiúda-se a frequência do mistério do suicídio.
Falta transcendência. Falta encarar aquilo de que se foge durante a frágil e curta permanência neste planeta: a inevitabilidade da morte. Quando ela chega, tudo o mais deixa de ter importância. Por que não tentar identificar um objetivo maior?
Para Merton, a renovação do homem partia da busca por si mesmo. O autoconhecimento socrático a que muitos adultos, na idade madura e provecta, não conseguem alcançar. Achar-nos a nós mesmos é ir além das nossas pobres, limitadas e perplexas almas.
Existe algo além da esterilidade da vida do mundo. Embora espiritualmente raquíticos, sabemos que nossa existência só se justifica se tivermos por meta o encontro com alguma coisa além de nós mesmos. Essa verdade nem sempre é enfrentada, pois é preciso partir da solidão verdadeira. Aquela que nos faz esquecer não só de nós mesmos, mas do fato de que estamos sós.
Crer é uma graça que nem todos alcança, mas que está à disposição de quem queira mergulhar nessa busca. Merton dizia: "se temos de viver na ordem sobrenatural, como homens livres, temos de fazer opções sobrenaturais". Quem está disposto a travar esse diálogo com o Transcendente e com o Absoluto, para mitigar inquietação e angústia, companheiras assíduas dos atormentados?
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e autor de "Ética Geral e Profissional" e "Ética Ambiental" (jose-nalini@uol.com.br)