Na próxima Quarta-Feira de Cinzas (14) iniciamos o tempo da Quaresma! Tempo oportuno para nos convertermos verdadeiramente e experimentarmos a misericórdia de Deus. Nesses quarenta dias de travessia, que nos preparam para o encontro com o Ressuscitado na Páscoa, somos chamados a remodelarmos nossos encontros, revermos nossas atitudes e fazer de toda penitência um caminho para nos tornarmos mais próximos uns aos outros. A Quaresma nos ensina a superar as distâncias que ainda habitam em nós. Esse é o sentido da Campanha da Fraternidade deste ano de 2024. "Somos todos irmãos e irmãs" (Mt 23,8).
A Campanha da Fraternidade é uma ação evangelizadora da Igreja do Brasil, que não esgota o significado litúrgico da Quaresma, todavia, ela nos auxilia a identificar e combater as situações onde o pecado avança e cria raízes em nosso coração.
Nesse ano de 2024, a Campanha da Fraternidade retoma as inspirações fundamentais da encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco. Tomando como exemplo a própria vida do santo, o Papa apresenta um projeto de fraternidade, baseado na amizade social e no amor político, tendo o diálogo como caminho necessário para a promoção de uma cultura do encontro. O desejo de uma conversão autêntica, própria desse tempo quaresmal deve nos fazer romper as cadeias que nos isolam e separam. Em tempos de tanta conectividade e "relações virtuais", somos atacados por todos os lados por movimentos de isolamento e fechamento. Converter-se, nesse sentido, é lutar pelo resgate de nossa identidade maior: o amor.
A amizade social torna o amor presente nas relações sociais. Aí está o significado mais profundo de um necessário amor social e político. O princípio do diálogo é a escuta. As diferenças são saudáveis no caminho da construção de uma sociedade mais fraterna. Eliminar o diferente é o contrário da amizade social. Por isso, o Papa nos adverte para os riscos de uma cultura do cancelamento, que impossibilita a voz do diferente e o cala, não raras vezes incluindo o uso da força. Em tempos como os nossos, onde a escuta foi substituída pela necessidade imediata do discurso, sofremos porque nos distanciamos cada vez mais daquele que não é exatamente como pensamos. Nesse sentido, o chamado que a Campanha da Fraternidade deste ano nos faz para o tempo quaresmal é de reconciliação, respeito e tolerância.
A Quaresma também é o tempo propício para a prática das penitências. Elas nos ajudam a vencer em nós os vícios e corrigem nossos afetos desordenados. Convidamos a todos os cristãos a oferecerem suas práticas de penitência e mortificação corporais quaresmais para uma verdadeira conversão do coração. Vamos juntos lutar contra o pecado que nos distancia do projeto de Deus e do nosso próximo. Vamos juntos enxergar as diferenças, divergências e oposições como riquezas, oportunidades e não como características de inimigos a serem abatidos. Vamos juntos vencer a tentação da homogeneidade de pensamento que elimina o outro e não nos permite aprender com sua singularidade. Assim, venceremos toda raiz de discriminação que nos afasta da verdadeira amizade social e nos impede de experimentarmos a alegria da família humana, irmanada em Cristo. Vamos juntos crescer em abertura, acolhida e encontro.
Por fim, apresento um pequeno trecho de um poema de Daniela Barreiro, chamado "Alguém que seja abrigo", presente no texto-base da Campanha da Fraternidade deste ano. Que ao final dessa travessia quaresmal, possamos juntos nos identificar como alguém com essas características.
"Alguém que seja abrigo. Alguém que seja porto seguro.
Onde (re)pousar no final e tudo. E no início. E sempre.
Alguém que seja abraço. Alguém que seja aconchego do corpo, da alma, do coração".
Uma caminhada quaresmal repleta de amizade social a todos e todas!
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto é Bispo Diocesano de Jundiaí (verboadm@dj.org.br)