OPINIÃO

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A humanidade é pretensiosa e, por isso, costuma errar. Com maior frequência do que acertar. Um dos erros mais comuns é a tentativa de "domesticar a natureza". A partir de uma leitura equivocada dos Evangelhos, que impõe certo exagerado antropocentrismo, milhares de anos assistiram à destruição do ambiente. Este foi considerado objeto, à disposição do sujeito, único titular da vontade.

O mau uso só poderia causar o que causou. Maltratada, a natureza se vinga. Como sabe e como pode. Fenômenos extremos ocorrem amiúde. Inundações, deslizamentos, chuvas torrenciais, ciclones, tempestades violentas e secas prolongadas. Não se atribua tudo isso a ciclos naturais e à resiliência ecológica: a Terra já passou por inúmeras eras e subsistiu. É que hoje o bicho-homem exorbitou. Continua a expelir gases venenosos, causadores do efeito-estufa. 2023 foi o ano mais quente do planeta, considerados outros cento e vinte e cinco mil anos! É pouco?

No afã de dominar, o ser humano deixa de observar leis naturais que existem desde que o mundo é mundo e que não podem ser revogadas pelas Câmaras Municipais, nem pelas Assembleias Legislativas, Câmaras Federais ou pelo Senado. Elas fazem parte do que é natural. Impositivo e incontornável.

Se os humanos prestassem atenção a isso, não cometeriam o crime de "retificar" os rios. Eles devem ser preservados em sua configuração primitiva. É normal que sigam em curvas, em declives, em reentrâncias, formem várzeas e lagos, depois prossigam rumo ao seu destino.

Quando o ser que se considera e se autodenomina "racional" retifica um rio, ele o faz pensando no seu próprio interesse. Quer subtrair à área de influência do curso d'água mais território para edificar. Canaliza o rio, o córrego, o riacho, desnaturando-o. ignora que em ambientes preservados, ele tem curvas, corredeiras, poças e pedras. Isso é o que garante a sobrevivência de uma série de organismos especialistas, ou seja, aqueles que precisam de especiais condições para sobreviver.

As soluções de engenharia nem sempre - ou melhor, quase nunca - respeitam o ecossistema em que o rio está situado. Os rios retificados acabam com a vida, com a biodiversidade, com esse tesouro de valia potencialmente infinita, convertendo-os em canais mortos e inertes. Causadores, quanta vez, de transbordamento e de inundações muito cruéis em suas consequências.

É preciso ter coragem para recuperar a destinação desses rios, córregos, riachos e cursos d'água. Pode-se viver bem sem petróleo, queira-se ou não. Já não se pode viver sem água. Esta sim, o líquido imprescindível, o mais valioso, o essencial à preservação da vida.

Cada rio é uma benção que merece respeito da cidade. Ele precisa ter vegetação nativa em suas margens, as tão lembradas "matas ciliares", praticamente inexistentes, vencidas pela ganância de braços-dados com a ignorância. Essas matas ciliares controlam a erosão e alimentam cadeias de seres vivos cuja existência é fundamental para o equilíbrio ecológico.

Cidades situadas em Estados realmente desenvolvidos e civilizados, ostentam obras de reconstrução dos leitos de água, com restauração da complexidade estrutural destruída e a reintrodução de espécies nativas, sejam da flora, sejam da fauna.

Na verdade, enganam-se os que invocam o bem do ser humano para violentar a natureza. É obedecendo a ela, é ao observar suas regras e a segui-la em sua aparentemente complexa singeleza, que se garante qualidade de vida para todos.

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente da Pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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