OPINIÃO

Sentimentos obscuros

25/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Parte I

"Será se comemorar que deu certo o aluguel deste apartamento é errado depois de tudo que passamos?" Este eram os pensamentos que passavam pela cabeça de Juliana depois de finalmente colocar um ponto final em seu divórcio.

Sentada no chão em meio a caixas e todo aquele caos típico de uma mudança, ela fez um balanço de seus últimos doze anos, onde os dois últimos eram só brigas e discussões incessantes. "Meu casamento não foi de todo ruim, teve momentos ruins, momentos bons e a certeza de que chegou ao fim." Essa foi a conclusão que acalmou seu coração. Em alguns momentos se pegava pensando se o Arnaldo sentia esse mesmo vazio ou se já estava buscando conforto nos braços de outra.

"Chega de pensar bobagens, Juliana!" Falou alto para si mesma e os vizinhos próximos ouvirem e foi transformar todas aquelas coisas jogadas pela casa em um lar.

Ligou para Regina, sua amiga, perguntando se ela já estava a caminho.

"Oi Ju, estou na rua de trás procurando vaga, qual é mesmo o apartamento?"

"Apartamento 78, bloco 2."

"Ok, cinco minutos estou aí."

"Conseguiu comprar a feijoada no seu Zé?"

"Claro, né. Que amiga eu seria se te deixasse sem almoço bem no dia de sua mudança?"

Juliana e Regina eram amigas há quase duas décadas. Se conheceram quando trabalharam juntas em uma loja de roupas no Centro. Ambas não ficaram muito no emprego, fizeram faculdade e seguiram com a carreira, mas a amizade continuava. Havia momentos que se viam mais, outros menos. Coisas típicas da vida adulta, mas nunca perdiam o contato. Quando não conseguiam marcar algo trocavam telefonemas ou mensagens.

"Não tinha um prédio mais fácil de achar vaga pra você se mudar, não?" Disse Regina assim que entrou após ser anunciada pela portaria

"Até tinha, mas aí eu perderia a chance de ver você reclamar da vida."

"Quem ouve você falar assim até pensa que sou uma senhora resmungona de oitenta anos. Aff!"

"Pode até não ter oitenta, mas pensa como uma."

"Vamos comer que estou com fome, antes que eu me irrite contigo."

"Tá bom. Só me ajude achar os pratos e talheres no meio dessas caixas."

A amizade delas sempre foi marcada por risos e brincadeiras, mesmo em momentos desafiadores como estes onde Juliana acabava de sair de um casamento complicado e Regina estava desempregada a quase três meses.

"Então Rê, como estão as buscas por emprego?"

"Uma merda! Não acho nada que pague o suficiente e ainda querem inglês fluente, espanhol intermediário, que saiba fazer origami e pudim de doce de leite. Está difícil viu."

"Olha aí a amiga resmungona que eu conheço!"

"É sério, Ju. Estou começando a me preocupar. Esse mês é o último do seguro, as reservas estão se acabando e apesar do Ronaldo não falar nada eu sei que está pesado para ele manter as despesas de casa sozinho."

"Eu sei, amiga. Mas logo logo você arruma alguma coisa. Você é inteligente e competente. É só uma questão de paciência."

"Aí Ju, às vezes você não entende. Para mim que venho de família humilde eu não tenho muitas fichas para queimar, sabe. É bem complicado. Eu e o Ronaldo sempre vivemos meio que no limite e agora está bem difícil. Morro de medo do carro quebrar ou de aparecer um canal no dente ou qualquer imprevisto, pois estaremos na merda."

"Relaxa amiga e pensa positivo que vai dar certo."

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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