OPINIÃO

Liberdade?

19/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Liberdade é outra expressão de altíssimo valor em qualquer sociedade, sem perder de vista a clássica frase: "A sua liberdade vai até onde não ofende a minha". Foi assim que sempre ouvi ao longo dos tempos.

É de causar muita estranheza o descumprimento dessa recomendação de bem viver, bastando verificar o monstruoso volume de processos judiciais justamente por ofensa a esse preceito e em todas as áreas que transitam da educação formal em todos os níveis - do maternal ao ensino superior – gerando abusos de toda sorte (ou azar!).

Tendo em vista que o ensino em sua clássica tradução e interpretação - salvante as ciências exatas - não produzem bons resultados, pois se fundam em base exclusiva que, especialmente, não prestigiam o diferente.

Nessa linha de raciocínio, o que infelizmente, de quando em vez, se denota que, por exemplo, aqui no Brasil o racismo se enquadra nas hipóteses de crime perfeito, na medida em que ofensas dessa natureza não recebem a sanção que o caso exige.

O Ministério dos Direitos Humanos apontou que no Brasil foram registrados 3422 denúncias de trabalho escravo no ano de 2023 (285 casos por dia).

Um desses casos disse respeito a uma senhora que permaneceu por mais de 60 anos servindo a uma família, sem remuneração, por sinal, negra! Vale lembrar daquele desembargador catarinense que manteve mulher surda e muda, também negra, por mais de 30 anos a seus serviços; aquela juíza campineira, alegando que o ladrão não tinha estereotipo de bandido porque tem pele, olhos e cabelos claros; aquela juíza curitibana alegando que sujeito é integrante de grupo criminoso em razão de sua raça; aquele sujeito anunciando na rede social a venda de escravo, alegando que se tratava de simples "brincadeira" e foi condenado a prestação de serviços a comunidade a razão de uma hora por dia, durante 365 dias.

As pífias condenações aos praticantes desses atos não inibem repetição ou cópia, sendo que os efeitos gerais, com mais ênfase aos íntimos é a dor, a humilhação, o constrangimento, as chacotas etc, por toda a vida e esse fator não é levado em linha de conta contra o agressor. Esse resultado exige mudança e mais rigor na apuração e seus reflexos.

Nessa ordem de ideias a liberdade, na avaliação dos fatos, exige atenção e muito respeito à condição pessoal de cada qual, sendo que esse comportamento vem repetido desde a maldosa ideia escravagista onde as pessoas negras eram consideradas "coisas", nem alma tinham e assim eram tratadas, com reflexos até os nossos dias.

Pode parecer brincadeira, mas a tão sonhada liberdade ainda não se fez presente e em sua plenitude, bastando verificar as constantes ofensas ao segmento, quer seja cor da pele, cabelos, tradição, cultura, religião. A "coisa" é tão absurda que, por exemplo os ataques às religiões afro configuram racismo religioso, especialmente pelo fato de que os adeptos em sua maioria não são negros.   

Noutra vertente, ainda ouvimos muitas ofensas genéricas relacionadas a fenômenos ou situações de dificuldades àquilo que é negro, como mercado negro, cambio negro, nuvens negras, ovelha negra.

A melhor forma e redução desses comportamentos é a implementação efetiva da Lei n. 10.639/03, que obriga o ensino da história da África, africana, afro-brasileira e indígena, por meio da qual os fenômenos desastrosos ou de grande valia receberão conotação verdadeira, afastando, por completo, a falsa ideia de que se tratam de pessoas sem preparo, história, indolentes, submissos, sem cultura etc.

É importante salientar que os africanos dominavam a metalurgia, a matemática, medicina, agricultura, pecuária, astrologia, navegação e muito mais, cujos informes foram escondidos estrategicamente com o fim único de distorcer a realidade e manter os privilégios.

N'outra vertente, a partir da avaliação mais condizente com a realidade e com a atuação potente do judiciário, impondo penas severas contra os ofensores, esses fatos perderão muita força e, com isso, substancial redução das desigualdades raciais e sociais.

"Seja um livre pensador e não aceite tudo o que ouve como verdade!" (Aristóteles)

Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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