OPINIÃO

Inspirada em fatos reais

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Sempre foi um divertido folião este saudoso companheiro. A bem da verdade, os tempos eram outros, como outros eram os Carnavais. O sistema bancário não tinha a alta tecnologia dos dias atuais em que as informações são prestadas em tempo presente. Nem se pensava em criar este cruel arquivo de devedores duvidosos. O cheque era respeitado e valia como moeda corrente. Deixar de "brincar" o Carnaval nunca lhe passou pela cabeça. Adorava se fantasiar. Muitas vezes confundia seus trajes com os da vida real. A sua veste preferida: o malandro sofisticado. O pisante de branco, sem meia. A calça de linho claro, a solta camisa listrada e o pequeno chapéu coco, cobrindo a testa. Persistia, todavia, uma constante situação contra a sua alegria e exageros, o danado do dinheiro sempre em crise com seu bolso. Malandro que é malandro não estrila, diz o velho conceito do morro. Mais uma vez não se perturbou. Com a velha malícia, pensou numa solução.

Na sexta-feira, início dos festejos carnavalescos, levantou-se por volta do meio-dia. Primeiro foi pegar o jornal. As manchetes eram de serpentinas e confetes soltos pelas ruas e salões. O reino do Momo. Tomou um refrescante banho. Fez a barba. Passou uma perfumada loção no rosto. Vestiu sua melhor roupa. Camisa engomada. Sapatos engraxados. Revigorou-se com meio suco de laranja. Pensou nos gastos que iria ter e nas dívidas que já vinham atrás. Saiu de casa. Cruzou o agitado centro da cidade. Passou em frente a Catedral, fez o sinal da Cruz. Chegou no conhecido escadão, na J.J. Rodrigues. Ali existia um ponto de caminhões que faziam carretos. Entrou no primeiro veículo da fila. Cortês, cumprimentou o motorista com um aperto de mão. Mandou tocar para São Paulo. Na grande Capital logo avistou um comércio de ferro-velho.  Ajeitou o cabelo pelo retrovisor e aproximou-se do comerciante do local. Mostrando experiência no negócio, perguntou pelo preço do quilo da sucata: "cinco reais, meu patrão, preço de ocasião", respondeu o vendedor. Portou-se como bom comprador, não pechinchou no preço. Determinou carregar o caminhão. Carregamento feito, emitiu um cheque cruzado para deposito na 2ª. Voltou-se para o motorista e mandou tocar para o interior. No trevo de Americana decidiu pela cidade. Logo avistou um depósito de ferro-velho. Ofereceu a carga. O preço máximo que conseguiu: três reais o quilo. Não teve dúvidas: "descarregue o veiculo". O bom motorista do caminhão ficou sem entender nada. Achegou-se dele e disse em voz baixa: "o senhor está perdendo dinheiro, comprou por cinco e está vendendo por três reais o quilo da sucata, é prejuízo certo!" O conhecido folião não se embaraçou: "sossega, meu bom rapaz. Quem está perdendo dinheiro não sou eu, mas quem recebeu 'o meu cheque'... lá na Capital". Hora de acertar o preço do carreto: "quanto é o serviço, meu bom motorista? "É duzentos reais pelas duas viagens." Retirou o talão de cheques do bolso. O motorista, neste instante, suou frio e não se conteve: "Doutor, PELO AMOR DE DEUS, não vai me pagar <ctk:10>com cheque, eu tenho filhos para sustentar".

Guaraci Alvarenga é advogado (guaraci.alvarenga@yahoo.com.br)

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