OPINIÃO

Jogar livros é bater na avó

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A notícia de que o Gabinete de Leitura "Ruy Barbosa" encerra suas atividades como entidade privada é desconcertante. Há quem justifique a decadência do livro físico porque o mundo web o substitui com vantagens. Não há mais que se preocupar com espaço para biblioteca. Nem se angustiar com a praga dos cupins que destrói coleções e onera os amantes da leitura. Mas é triste verificar que lugares tranquilos para que os humanos se abeberem do conhecimento consultando o amigo livro, tendam a desaparecer.

É emblemático o desaparecimento de uma biblioteca privada neste século de polarização, com o ano de 2023 já considerado o mais violento do após Segunda Grande Guerra. É que o autoritarismo é inimigo do livro. Basta lembrar que, em toda a Europa, os nazistas confiscaram as bibliotecas judaicas. Apropriaram-se dos livros raros, economicamente rentáveis, e queimaram o que lhes não interessava.

Nesse período, a Polônia perdeu mais de noventa por cento de suas bibliotecas públicas e escolares. Nesse número estão os trezentos mil volumes da Biblioteca Pública de Varsóvia, incendiada pelos alemães nos últimos dias de sua ocupação. A União Soviética perdeu mais de cem milhões de livros. As mais otimistas das estatísticas avaliam que mais de quinhentos milhões de livros foram destruídos durante os confrontos no Velho Continente.

A parte mais civilizada do planeta conseguiu repor, em parte ao menos, esse patrimônio. Nunca se poderá recuperar os tesouros das obras raras, assim como ninguém conseguirá avaliar o que a humanidade perdeu com o desaparecimento da famosa Biblioteca de Alexandria.

Os livros são os melhores amigos do homem. Nada pedem, tudo entregam. Por isso é que, menos de uma semana depois dos soldados aliados tomarem as praias da Normandia, recebiam caixas de brochuras para que eles mergulhassem na leitura, nos intervalos entre os ataques. É que os livros recordavam às tropas o que era a vida longe do perigo. Causaram tamanha sensação, que eram lidos e manuseados até que o uso e a sujeira os tornassem ilegíveis. Mas não eram descartados. Um soldado americano chegou a afirmar: "Jogar os livros no lixo é pior do que bater na sua avó!".

Por isso é que os encarcerados também encontram lenitivo à perda da liberdade na leitura. O exemplo de Anne Frank ainda é atual, pois atemporal: "As pessoas comuns não sabem o quanto os livros podem significar para alguém que está preso!".

A pior prisão, use-se da metáfora, é a de quem não lê. Não se interessa por sair da escuridão da caverna, o mito platônico. Permanece alheio ao mundo, sem descortinar a exuberante riqueza do pensamento, que é capaz de infinitas formatações. Viajar pelo mundo físico, mas – principalmente – viajar pelo mundo intelectual, pelos intrincados meandros da consciência humana. Penetrar o recôndito de almas que deixaram testemunho de suas andanças transcendentais e metafísicas, em milhões de obras sequiosas por serem devoradas por mentes curiosas.

O verdadeiro progresso de uma cidade, de um Estado, de uma nação, se avalia pelo número de livros que seus moradores adquirem, emprestam, leem, presenteiam e comentam em suas conversas rotineiras.

A única angústia do leitor é saber que não conseguirá, no efêmero intervalo entre nascimento e morte, ler todos os livros que ele gostaria de conhecer. Essa angústia é uma doença raríssima. Não costuma contaminar os pobres de espírito. Infelizmente, estes constituem a imensa maioria.

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente da Pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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