OPINIÃO

Boa vizinhança

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Onde foram parar os vizinhos? Antigamente, poucas décadas atrás, o vizinho costumava se o próximo mais próximo. Era comum a conversa "entre os muros", o empréstimo de açúcar ou de pó-de-café, a cortesia de se oferecer fruto ou uma fatia do bolo que acabara de sair do forno. Eram também os primeiros socorros, aqueles que estavam sempre à mão, pois havia certa cumplicidade no convívio.

Sou do tempo em que chegou a televisão e com ela, o hábito do "televizinho". Vinham assistir luta livre, os adultos. Enquanto as crianças gostavam do "Pim-Pam-Pum" da TV Tupi. Mas o "progresso" veio a extinguir essa boa espécie chamada "vizinho". Os condomínios, que os romanos chamavam com razão de "mater rixarum", que pode ser traduzido, singelamente, por "mãe de todas as encrencas", faz com que os moradores de apartamentos contíguos não se conheçam. Nem se cumprimentem. Isso não é incomum nas cidades.

A megalópole inadministrável, vítima de uma conurbação cruel, vê pequenas e raras iniciativas que pretendem resgatar o sentido de vizinhança. Há o movimento "Pró-Pinheiros", por exemplo, criado em 2021. Ali existe a Associação de Moradores e Amigos dos Predinhos de Pinheiros. Criou-se perfil no Instagram e formou-se um polo de conhecimento a respeito de legislação urbanística e questões jurídicas. O Pró-Pinheiros já colhe frutos. O Departamento do Patrimônio Histórico - DPH iniciou processo de tombamento de cerca de seiscentos espaços do bairro, como o Mercado de Pinheiros e a Escadaria da Bailarina.

Outro bairro que conseguiu arregimentar interessados em sua preservação foi o Ipiranga. O projeto Ipiranga Feelings mostra que a região tem 439 anos de história. O perfil no Instagram é @ipirangafeelings. O intuito é fazer com que os moradores pratiquem o singelo exercício de olhar com atenção e afeto ao redor. Um lembrete diário aos vizinhos, para que saibam apreciar ou se interessem com afinco maior, cada lugar captado nas imagens e textos publicados.

Interessante observar que moradores antigos são despertados para realidades até então desapercebidas. Andar a pé faz toda a diferença. A vizinhança solidária afugenta o pavor da insegurança, que é uma das preocupações dos paulistanos e também dos moradores de todos os demais municípios brasileiros, pois o medo é assídua companhia de nossa gente neste surpreendente século XXI.

Um saudável hábito é contar estórias de pessoas que residem há muito tempo no bairro, descobrir suas vocações, identificar aquele que recolhe sementes e se propõe a formar mudas para repor as defecções nesta flora tão maltratada, mas que é essencial para conferir qualidade de vida à população. Importante, ainda, é fazer com que as pessoas se interessem pelo futuro do bairro. Opinar sobre o impacto das demolições e das novas construções, o cuidado da Prefeitura com o patrimônio histórico e com a limpeza dos logradouros, a necessidade de reforço de vigilância em alguns pontos vulneráveis, tudo pode motivar os residentes e, o que é mais essencial, cimentar um sentido de pertencimento que só beneficiará a comunidade.

Outra excelente iniciativa é a da Zona Leste, onde se criou o perfil no Instagram e Facebook chamado "Cidade Tiradentes Lovers". Essa região, malvista até pelos seus habitantes, não é só o mapa da violência e das desigualdades sociais. Há outros ângulos. Já visitei a Zona Leste e vi a façanha de um morador que foi plantando árvores margeando um córrego e o local se transformou num belíssimo oásis, um recanto acolhedor e refrescante.

Implementou-se uma rede comunitária que valoriza empreendedores locais, dá dicas sobre lugares aprazíveis e que devem ser visitados, como o Parque Vila do Rodeio, a Fábrica de Cultura e o Centro de Formação Cultural. Uma boa prática foi o concurso de fotografias, como incentivo a que os zonalestenses retratem ângulos de beleza de sua região.

A Moóca é outro lugar icônico em São Paulo. Neste 2024, seria conveniente lembrar que muitas famílias, principalmente de imigrantes italianos, foram vítimas da cruenta Revolução de 1924, quando as tropas bernardistas bombardearam a capital. O famigerado Ministro da Guerra, Setembrino de Carvalho, ante o pleito de Dom Duarte Leopoldo e Silva de cessar as hostilidades, respondeu que São Paulo era rica e poderia reconstruir aquilo que os legalistas destruíssem.

Muitos outros bairros como Santana, Penha, Barra Funda e Saúde, já contam com movimentos comunitários de valorização do entorno. O SESC auxilia o incremento de tais atividades, com o seu programa de Turismo Social. Essa expertise pode ser utilizada em Jundiaí, pois aqui o SESC exerce importantes atividades e fazer com que nossa cidade também consiga construir memórias, despertando a consciência histórica, socioambiental e comunitária, para dar um upgrade na valorização de nossos espaços.

Pense-se na tradição de Vila Arens, na Ponte São João, no Anhangabaú, no Vianelo, Vila Rio Branco, Agapeama, Vila Progresso, além da formação de bairros valorizados como Jardim Ana Maria, Chácara Urbana, Jardim Morumbi e tantos outros bairros. Quanta riqueza na Colônia, Caxambu, Tóca, Roseira, além de tantas outras aglomerações bairrísticas que tornaram a Terra da Uva uma das mais disputadas pelos empreendimentos imobiliários de todos os níveis.

Conhecer melhor a cidade em que se vive é um propósito que deveria servir a todos os jundiaienses neste 2024, ano que mal teve início, e que os chama para se motivarem nessa empreitada que é tão útil, quanto prazerosa.

José Renato Nalini é jundiaiense nato e um apaixonado pela cidade em que nasceu (jose-nalini@uol.com.br)

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