OPINIÃO

Lições de Hitchcock

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Muito já se escreveu sobre Alfred Hitchcock - biografias, análises de filmes, estudos acadêmicos. Donald Spoto dedicou um livro inteiro para falar da relação do cineasta com suas atrizes - o que sempre gerou alguma controvérsia. Ao longo de décadas no cinema, primeiro no Reino Unido, depois nos Estados Unidos, Hitchcock colecionou olhares externos que buscaram compreender a alma do homem chamado, com frequência, de gênio.

Demorou para chegar às minhas mãos "Hitchcock por Hitchcock", coletânea de textos do próprio cineasta e entrevistas, com organização de Sidney Gottlieb (Editora Imago). É uma pérola, com observações de Hitch sobre ele mesmo, seus filmes, suas atrizes e atores, sobre o cinema em geral. Da opinião sobre os filmes britânicos - os "indigestos", como ele diz, em artigo de 1934, ao abordar as dificuldades de adaptação ao som - saltamos, em outras páginas, à transformação profunda que o cinema sofreu nos anos 1960, ao ficar mais "internacional", ou mais global. Essa passagem vale destaque.

O artigo em questão chama-se "Na corte dos antigos imperadores". Os "imperadores", sabemos, eram os produtores da antiga Hollywood que Hitchcock conheceu ao colocar os pés ali no fim dos anos 1930. Seu primeiro filme americano, "Rebecca - A Mulher Inesquecível", é de 1940. O produtor - o verdadeiro dono do filme - era David Selznick, que havia acabado de sair de "E o Vento Levou". Foi o homem que importou Hitchcock, que, por sua vez, lembra da dominação do produtor sobre seu próprio material, sobre como o sistema de estúdios obrigava todos a estarem sob suas rédeas, para caso fosse necessário refilmar uma cena ou uma sequência inteira. Eram os tempos dos contratos de exclusividade.

Mais tarde tudo mudou. "Hoje, com o advento do filme internacional, essa maneira de fazer cinema é impossível", diz o realizador de "Psicose". "Os componentes de um filme se separam tão logo a produção chegue ao fim. No meu último filme, "Topázio", por exemplo, usei atores da Suécia, Dinamarca, Alemanha, França, Itália e dos Estados Unidos. O que aconteceu quando terminamos o filme? Todos os artistas desapareceram, voltando a seus respectivos países, e logo já estavam engajados em outros filmes."

O senhor Hitchcock, em "Como escolho minhas heroínas", diz que a seleção deve levar em conta uma heroína que "agrade às mulheres, mais que aos homens, porque três quartos da plateia média de cinema é constituída por mulheres [em 1937, quando o artigo foi escrito]". Em outro texto, de 1948, ele diz enxergar em "Festim Diabólico" seu filme mais instigante - "(..) exigiu meses de preparação e dias de ensaios exaustivos" - e, em 1933, em "Precisamos de estrelas?", observa que "desde os primórdios do cinema os produtores vêm se fazendo essa pergunta e, com insistência cada vez maior, o público vem respondendo que 'sim'".

Em suas 370 páginas, "Hitchcock por Hitchcock" guarda as lições de quem passou por diferentes fases do cinema e conseguiu se dar bem em todas. "Glamour nada tem a ver com realidade, e insisto que a realidade é o fator de maior importância para se fazer um filme de sucesso. A mulher muito bonita que apenas desfila, evitando os móveis, usando négligés diáfanos e sendo muito sedutora pode ser um ornamento atraente, mas não ajuda o filme em nada", escreveu ele em "Feche os olhos e visualize!", artigo de 1936. Pare e pense na abundância de "ornamentos" do cinema atual, no constante vazio que busca se impor apenas pelo barulho e pela vulgaridade. Vale a pena, por isso, voltar às palavras do mestre do suspense e perceber o tanto de sensibilidade que o fazer cinema pode conter.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com; contato em ramaral@jj.com.br

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