OPINIÃO

Vínculos

08/12/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Mudanças são sempre difíceis. Por essa frase até parece uma crônica reflexiva. Prometo que não! Eu estava falando de mudar de casa mesmo.

Recentemente troquei o CEP e com a mudança além de caixas e coisas a arrumar vieram os processos naturais de estar em uma nova residência. Descobrir onde fica a padaria que tem um croissant gostoso, onde é o mercado com o melhor preço... Essas coisas do dia a dia.

E nesse processo de busca coloquei meus fones de ouvido e fui fazer uma caminhada. Uma caçada pelas maravilhas do novo bairro.

No caminho descobri uma adega e uma papelaria. Para um amante de post-its e canetas esse foi um dos melhores achados. Vi ainda uma barbearia. Decidi que iria voltar lá na semana seguinte para ajustar meu corte.

Passada uma semana, lá estava eu.

Como não sabia se iria ter que esperar ou não levei comigo um livro. Cheguei e fui atendido pelo simpático barbeiro. Ele perguntou se eu tinha hora marcada. Disse apenas que não e me sentei esperando ser atendido. Por sorte havia apenas dois a minha frente. O tempo perfeito para eu finalizar o capítulo do livro. Queria saber logo o que aconteceria com Bernardo e Juliana no capítulo vinte e seis.

Perdido na leitura não ouvi ser chamado.

Chegada a minha vez, marquei a página da leitura e me sentei na cadeira.

Sempre gostei de papear, trocar histórias. E já vi logo de cara que histórias não faltavam ao Thiago, o barbeiro. Durante o papo foi divertido perceber as nuances de uma conversa entre duas pessoas que já passaram da casa dos trinta. Norteados inicialmente pelo papo de mudança, afinal este era o motivo que havia me levado até ali.

Ficamos conversando sobre a dificuldade ao trocar de endereço. E principalmente sobre vínculos. E, por vínculos, falamos dos afetivos. Em formar amizades na vida adulta e em como que esses laços são tão importantes.

Estávamos falando de amizades, rolê 30 e outras coisas da vida de quem prefere um bom rolê gastronômico do que a última festa badalada e fotos postadas no Instagram.

Enquanto o nosso papo se desenrolava, um cliente entrou. Também sem hora marcada.

Daquele momento em diante eu não consegui mais me concentrar, pois parecia que sem perceber ele se sentou em meu livro. Fiquei tentando ter a certeza, mas da minha cadeira era difícil confirmar minhas suspeitas. Sofri calado até poder conferir.

Naquele momento eu só queria que o Thiago terminasse o pezinho do cabelo para que eu pudesse socorrer meu livro.

E foi nesse dia que eu descobri outro vínculo que aprecio mais nessa fase da vida. O vínculo com meus livros, na verdade mais que isso. O elo com as histórias que me prendem, com as palavras que me laçam...

Talvez tudo isso seja algo mais particular. Coisa de escritor, coisa de quem vive das palavras. Não sei!

O que sei é que a cada página marcada, cada frase grifada... É um recado do meu eu do passado ao eu do futuro.

É um bilhete pela história de outros.

Quanto ao livro...

Este segue inteiro, o rapaz havia sentado na cadeira do lado.

Mas, por segurança, na próxima vez acho que vou deixar o livro no meu colo.

Cada um protege os vínculos que tem.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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