OPINIÃO

Aceitação, porta de entrada para a Terra

08/12/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Alan Mathison Turing.

Quando escrevo o nome deste londrino, nascido em 1912, provavelmente a maior parte dos meus leitores(as) não tem nenhum tipo de reação além da curiosidade diante do que nunca foi visto. Contudo, aposto que quase a totalidade do meu público está lendo este texto em aparelhos como notebooks e smartphones cuja existência se deve, em muito, ao trabalho da vida deste homem.

Chamei sua atenção? Ótimo! Vou continuar fazendo isso quando digo que este mesmo trabalho não somente moldou muito do cotidiano do mundo da metade do século XX em diante, como possivelmente "encurtou" a Segunda Guerra Mundial em dois anos, o que, caso queiramos continuar na nossa especulação histórica colocando nela alguns números e cálculos para dar peso aos fatos, ele poupou cerca de… 14 milhões de vidas.

Agora vocês devem estar se perguntando por que nunca ouviram falar dele, de forma tão eloquente e até… coloquial, tal como ouvimos falar de Tesla e Einstein, que tem seus dizeres extrapolados até para campos de "autoajuda" e motivacionais, como se eles fossem celebridades destas searas?

Bem, existem vários aspectos desta resposta. Primeiro, o trabalho deste homem foi por muitas vezes relacionado com inteligência militar, de forma que não foi noticiado por uma questão de "segurança nacional". Ele foi um dos responsáveis por descriptografar um dos códigos mais elaborados dos nazistas e isso facilitou a vitória dos aliados em vários embates, entre eles a "batalha do Atlântico" pelo poderio das rotas navais entre as Américas e a Europa.

Por alguns, ele é considerado o pai da ciência da computação.

Contudo, fatos de sua vida pessoal e o triste fim deste homem também explicam o silêncio histórico sobre seus feitos. Alan Turing foi processado criminalmente em 1952 por "comportamento homossexual" segundo uma lei de 1885 que o enquadrou em atos de "indecência grosseira". Ele aceitou a pena de castração química para evitar ser preso, tendo morrido dois anos depois disso, em um aparente suicídio por envenenamento.

Acredito que seja desnecessário eu escrever o quão difícil é, para aqueles que são diferentes do padrão encontrarem um lugar seguro para manifestar as suas tentativas para obter a felicidade. A Terra é tão ampla e tão acolhedora, tal qual Gaia, a deusa que a representa, mas por vezes, o julgamento da sociedade humana o fecha e restringe. Cria um crime para afastar dos seus olhos o que não quer ver.

O poder de aceitação de uma sociedade está fundamentado na aceitação dentro de cada célula que a compõe, o indivíduo. Podemos escolher livremente o que queremos para nosso próprio caminho, mas esta liberdade está calcada no fato de todos os outros o fazerem também, de forma segura para si. O que nos provoca medo e reação agressiva provavelmente está clamando por ser ouvido dentro de nós, faltando a coragem de "dar ouvidos" que o acolham.

Concordar ou não, bem como toda a gama de opiniões entre estes dois polos serão bem-vindas, mas o espaço aberto pela aceitação é um ato indispensável e de amor fraternal que nos caracteriza como humanos.

Em 2009, o então primeiro-ministro britânico Gordon Brown fez um pedido de desculpas público e oficial à Alan Turing pela forma "terrível" que foi tratado pelo Estado.

Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura, com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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