OPINIÃO

Esquecemos nossa gente

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Ingratos e desmemoriados é o que somos. Cuidando de nosso próprio umbigo, zelando por coisas que ajuntamos, olvidamos o principal. O que valoriza uma existência é a rede do bem que ela pratica. As relações humanas. Os afetos cultivados. A reverência à memória dos que abriram as sendas pelas quais hoje trilhamos.

Quantas pessoas nasceram em Jundiaí ou a escolheram como lar. Aqui desenvolveram atividades, distribuíram benesses. E restam esquecidas.

Encontro em meus guardados, uma separata com dedicatória do Professor Nelson Foot. "A obra poética do Padre Armando Guerrazzi", escrita por aquele jundiaiense hoje eternizado numa Casa de Cultura e mais um texto: "Armando Guerrazzi: o Professor e o Filólogo", escrito pelo Professor Lázaro Miranda Duarte, o "Lazinho".

A publicação foi patrocinada pelo Gabinete de Leitura Rui Barbosa, pela Sociedade Amigos de Jundiaí e recorda a figura do sacerdote Armando Guerrazzi (1891-1947). Nascido em Jundiaí, cursou o Seminário de Pirapora e se ordenou em 1920. Foi vigário coadjutor de Santa Cecília, oficial da Cúria e professor de Grego, Literatura e Filosofia no Seminário Maior de São Paulo, do qual foi Reitor interino. No Rio, foi secretário dos Cardeais Arcoverde e Leme. Deixou diversas obras: "O transformismo", "Discursos-fantasias" e "Folhas Dispersas". Era membro da Academia de Ciências e Letras de São Paulo e, segundo o folheto, "sua memória será sempre presente e brilhante no meio de sua gente e dessa terra bendita que sempre amou e reverenciou".

Nelson Foot analisa a obra poética do sacerdote e reproduz muitos versos, dos quais menciono os que contemplam a saudade: "Porque a saudade, a límpida saudade/ é a lágrima do júbilo passado/ Porque a saudade é filha das ausências/ tem o azul magoado das hortênsias".

Enfatiza o caráter moralista do poeta, que nunca deixou de encarar a poesia como forma sutil, amena, porém incisiva, de formar o caráter dos humanos.

Já o Mestre Lázaro Miranda Duarte ressalta o amor do Padre Armando Guerrazzi pela filologia, "estudo da língua e literatura de determinado povo, que andou, durante muito tempo, confundida com a Glotologia, de que é parte", mas que hoje constitui ciência autônoma.

O sacerdote jundiaiense "foi grande filólogo. Cultivava a língua com o mais acrisolado amor, e adorava a literatura como sói acontecer com os artistas de incontida inspiração e gosto. Ele reproduz um pequeno trecho da conferência "Memória", proferida pelo Padre Armando Guerrazzi e depois publicada. Ouçamo-lo: "A segunda lei para se obter eficaz memória é a das impressões fortes. Nos discursos e nos sonetos, na vida íntima ou no convívio social, as primeiras e últimas impressões ferem e calam mais profundas e duradouras n'alma. Burila-se melhor no mármore a imagem impressa do que a retém a movediça areia. Gravemos, pois, no intelecto dos adolescentes, sadias impressões que perdurem".

Recorda, o Professor Lazinho, inúmeras conferências pronunciadas pelo Padre Armando Guerrazzi, que era costumeiramente convidado para compartilhar seu conhecimento e talento com a juventude de então. Estimulava todos os que o ouviam a caprichar no vernáculo. Algo que praticamente foi coartado das preocupações gerais da sociedade e das políticas públicas estatais.

Seríamos melhores se não nos esquecêssemos de nossos maiores.

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente de pós-graduação dSecretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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