OPINIÃO

O gênio que envelheceu cedo demais

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O preço a pagar é alto quando se entrega, logo de saída, no início da carreira, uma obra-prima. Tudo o que vem a seguir terá à vista esse primeiro ato. No caso do gênio Orson Welles, isso nos ajuda a compreender o motivo de esquecimento, pelo grande público e até por parte da crítica, dos filmes realizados após "Cidadão Kane".

Passada essa obra única - comumente no topo de muitas listas de melhores de todos os tempos -, Orson aprendeu a viver tropeços, batalhas com produtores e orçamentos apertados. Encontrar financiamento não era fácil. Em alguns casos, como "Otelo", foi preciso colocar dinheiro do próprio bolso. Com fama de "veneno de bilheteria", passou a fazer coadjuvantes em outros filmes de prestígio. Voltar à sua filmografia é perceber o quanto alguns grandes artistas precisam lutar com unhas e dentes para seguir trabalhando.

"Kane" provocou a ira do magnata William Randolph Hearst, cuja vida serviu-lhe de inspiração. Foi lançado após pressões, fez sucesso, ganhou prêmios. Orson, antes famoso por uma encenação de "Macbeth" com elenco negro e pela agitada transmissão radiofônica de "Guerra dos Mundos", nunca mais teve a mesma liberdade para dirigir um filme.

E, bom lembrar, ninguém tão jovem até então havia gozado de tal poder: em sua primeira empreitada em Hollywood, Orson teve direito ao corte final. Ninguém no estúdio RKO podia mexer uma linha no trabalho, o que logo foi alterado no seguinte: "Soberba", de 1942, foi mutilado pelo mesmo estúdio enquanto Orson descobria os "exotismos" do Carnaval brasileiro e da América Latina, enviado para nossas terras para promover a política de boa vizinhança entre Brasil e Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Da viagem deveria ter nascido "É Tudo Verdade", remontado com as partes disponíveis e conhecido apenas nos anos 1990, quando Orson já estava morto.

De volta a Hollywood após a aventura latino-americana, o menino prodígio e colecionador de fracassos tornou-se ultrapassado antes da hora, velho enquanto jovem. O que não o impediu de insistir e dirigir outras produções, como "A Dama de Xangai", no qual conduziu sua então esposa, a beldade - aqui loura, cabelos curtos - Rita Hayworth.

Antes de debandar para a Europa, cansado das amarras da América, Orson ainda teve 23 dias para dirigir sua versão cinematográfica de "Macbeth". Cenários de papelão e figurinos de qualidade duvidosa, tudo à vista, e nada que pudesse atrapalhar a realização de um grande filme. Um Shakespeare delirante, expressionista, cheio de criatividade. E se para "Macbeth" restaram 21 dias, para "Otelo" seriam necessários alguns anos.

A história definitiva sobre a inveja contou com o próprio Orson no papel do mouro. Com diferentes paradas, as filmagens transcorreram por três anos. Uma história curiosa de bastidores: entre um plano e um contraplano, na mesma cena, passou-se um ano inteiro de espera. Na tela, segundos. Em cena, o milagre cinematográfico e a determinação de seu autor.

O tema favorito de Orson é a falsificação - a da própria vida (a identidade), a de uma obra de arte, a de um crime. A própria essência do cinema casa-se a essa ideia. No uso da profundidade de campo ou da montagem excessiva, Orson sabia como ninguém desviar o olhar do espectador àquilo que queria contar - ou recriar.

Como "Kane", "Grilhões do Passado" é sobre a investigação da vida de um homem. E é o próprio quem banca a empreitada. "A Marca da Maldade" discute se um crime justifica a solução de outro. "Falstaff, o Toque da Meia Noite", outra incursão por Shakespeare, leva-nos à fragilidade de um reino no qual o conselheiro do futuro Henrique V descobrirá que a validade de suas ações e palavras reduzem-se a seu cortiço.

Mas nenhum dos filmes de Orson foi tão fundo na discussão das falsificações humanas quanto "Verdades e Mentiras". Em cena como ele mesmo, vestindo roupas de mágico, faz truques para uma criança em uma estação de trem. O diretor conta a história de um falsificador de quadros, um boa-vida que reproduz Picassos e Matisses e faz com que todos acreditem que se tratam dos originais. Orson ri da vulnerabilidade da arte na era dos charlatões. Rimos com ele, mestre da sétima, do tamanho absurdo proposto.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista, escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)

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