OPINIÃO

Quanto de tudo está perdido?

04/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Emprestei a inspiração do meu querido e escritor Filipe Mantovan para trazer as palavrinhas do mês de novembro por aqui.

Por que me faltou criatividade? Não, já que rascunhei pelo menos três meios artigos pra trazer. Parei no meio do caminho com todos mas guardei-os, pois em algum momento, por serem atemporais, certamente haverá um ou vários insights para completá-los com a dedicação que quem aprecia essa coluna merece receber.

Mas, sim, estou tomada por um nó na garganta. Talvez porque, como já li em frases bem humoradas por aí, realmente a sensação para muitos é de estarmos experenciando um misto de fim de ano com fim de mundo e não sabemos nem que roupa usar pra ocasião. Seria cômico se não fosse realmente trágico!

Será por que uma guerra está em curso? Será por que assisto humanos, vários deles muito próximos a mim, sendo coniventes com as justificativas, dos dois lados, para a continuidade da barbárie, principalmente contra crianças? Sim, isso está me afetando seriamente.

A narrativa a seguir não é originalmente minha, mas inspirada nas palavras do Filipe, que fez isso com uma sensibilidade brilhante, a mesma que quando eu crescer eu espero ter também.

O trecho, publicado em uma de suas redes, retrata ipsis litteris a minha tônica momentânea do expressar quanto de vida há na tristeza e quanto não devemos, nunca, negá-la ou anestesiá-la. O poeta já dizia que tristeza não tem fim. Tem sim!

"...Eu já não me importo mais com pequenos delitos, desses que não alteram em nada o percurso da nossa existência, sabe? Eu até acho engraçado como o dono da barraca de frutas me engana, colocando os morangos mais bonitos e suculentos na parte de cima da caixa, escondendo cuidadosamente os mais feios e mirrados na parte de baixo. Eu compro e agradeço com o mesmo sorriso de sempre, ainda pago no débito pra ter menos imposto. Eu simplesmente não ligo mais de ser meio enganado, é porque eu não sou diferente do dono da barraca de frutas, muito menos diferente daquela caixa de morangos.

Não quero mais me aborrecer com pequenas coisas, parece que eu ando me preparando para grandes conflitos, talvez porque eu tenha certeza que uma hora eles virão e, quando o bagulho fica louco de verdade, você vai até esquecer a mancha na cortina, o cheiro do ralo, a gordura localizada, o barulho que a máquina de lavar tá fazendo, o sinal do wi-fi, não! Não vou permitir que a p&¨% de um buraco no sofá tire a minha paz. Uma encomenda está atrasada há dois dias e eu não terei um ataque de fúria apenas porque a m&¨%$ de um ventilador portátil não chegou, eu passei a vida inteira sem ele.

Queria pedir desculpas pra todo atendente de telemarketing que tratei com pouco respeito, aliás, farei isso: me desculpem! Eu não estava bem naqueles tempos, eu sei que vocês precisavam me oferecer um novo cartão de crédito sem anuidade, podem me ligar novamente, eu vou aceitar, vou dar nota cinco no final do atendimento, mas antes vou perguntar se o seu dia está sendo bom e, se eu sentir que está mentindo, vou dizer que vai passar, que tudo ficará bem, mesmo sem saber, vou dizer que a gente precisa ver o mundo com outros olhos, que anda esquentando a cabeça com coisa à toa, que hoje eu comprei uma caixa de morangos, eles estavam feios, mas o suco ficou uma delícia. Nem tudo está perdido..."

Márcia Pires é Sexóloga e Gestora de RH (piresmarcia@msn.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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