O Cine Marabá, na Rua do Rosário, e o Cine Ipiranga, na Rua Barão, ambos com uma plateia pra mais de 500 pessoas, foram os que mostravam grandes filmes por décadas. Não paravam no tempo e iam se adaptando a novas tecnologias. O Ipiranga com superposições de projeção conseguia mostrar em suas novas e enormes telas filmes como o "Ben-Hur" (1959) ou os clássicos de cinema, dessa época, vale lembrar que as projeções não se encaixavam. A mesma coisa para o Cine Marabá, que, por exemplo, exibiu o filme "Os Dez Mandamentos" (1956) com imagens de três projetores e que provocavam impressionantes reações nas pessoas. Inesquecível quando Moises, interpretado por Charlton Heston, manda abrir o Mar Vermelho. Aquilo parecia verdade, estávamos todos ali para passar, para segui-lo.
Esse filme, de quase quatro horas de duração, foi uma experiência imersiva que lotava o cinema. Filas e sessões aos montes que tinham intervalo depois das primeiras duas horas, onde as famílias faziam verdadeiros piqueniques para poder continuar a emocionante experiência.
Essas oportunidades únicas só o Centro propiciava. Com o decorrer do tempo, os cinemas de rua, em declínio, foram um a um se acabando. O Cine Ideal, na Rua Rangel, não era um cinema que fazia sucesso. Menor, não conseguia concorrer com seus grandes e muito bem sucedidos vizinhos. Acho que foi o primeiro a fechar. Mas hoje essa realidade pode ser invertida! O Ideal, único com a fachada integra e preservada (e espero que continue protegida pelo Conselho de Patrimônio Cultural) e que o seu terreno vazio pode voltar a ser cinema, café e livraria por exemplo com atualizações de arquitetura.
Mas o que fica claro é que o potencial desses equipamentos culturais quando suprimidos colaboram fortemente para o abandono do Centro também. Todas as ofertas que tínhamos nessa época, que era o grande prazer de passear nas calçadas, pelos cafés, pelos restaurantes pela Pauliceia, pelo Haiti, isso também acabou. Se por um lado a iniciativa desses donos de imóveis centrais preferiram alugá-los para outros fins, acabaram, a longo prazo, diminuindo suas expectativas de aluguel e bons negócios porque eles mesmos nada fizeram para que isso não permanecesse. Depois de diversas tentativas de ativação do Centro pela Prefeitura, fica o vazio dessas experiências, que não estão presentes nas ruas centrais.
Em São Paulo, o SESC compra imóveis decadentes pra restaurá-los e dar novo vigor a áreas abandonadas. É o caso do edifício do Mappin, que será seu centro administrativo e lugar de exposição, a menos de 500 metros do SESC 24 de Maio. Esse exemplo não aconteceu por aqui, mas que tem muitos imóveis à venda ou fechados.
A sucessão de lojas na Rua Barão, dos dois lados, a noite e com tudo fechado parecem uma única loja com uma única bandeira. Como uma imensa loja que estará vendendo de tudo no dia seguinte. Também não sei se poderíamos falar em individualizá-las, pois são emendadas. Como arquitetura não existem mais. O que está lá são caixas com enormes portões de aço. As vitrines sumiram, não tem mais nem lá nem em lugar nenhum.
O que temos ativo são o Centro das Artes, o Museu de Jundiaí e, mais no final da Rua Barão, o Polytheama e a Pinacoteca que estão demonstrando que só isso não basta. É preciso abrir choperias, cafés, livrarias e lojas de arte; lugares para que todos possam viver essas experiências do ócio criativo, como escreveu De Masi, que defende a redução do tempo de trabalho e a administração do ócio, que tem um potencial enorme para investimentos em cinema e cultura.
Eduardo Carlos Pereira é arquiteto e urbanista (edupereiradesign@gmail.com)