Opinião

Dia da mãe do céu

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Quando perdi minha mãe, algumas mensagens de amigos providos de uma fé que então me fraquejou, diziam que a partir daí, eu teria duas mães: a minha, já no etéreo e Nossa Senhora, a mãe de Jesus e dos homens.

A devoção mariana é uma bela simbologia e adorna a Igreja Católica de um espaço imenso para o cultivo da poesia, da música, das artes plásticas, da psicologia, da história e de outras esferas em que impera a beleza.

É emocionante constatar o quão pura, ingênua e linda é a afeição das pessoas mais simples, em relação à Padroeira do Brasil. Sei de pessoas que não praticam a religião ou que abandonaram aquela de berço e batismo por outras. Mas continuam devotas de Nossa Senhora Aparecida.

É comovente assistir ao espetáculo das peregrinações ao Santuário Mariano em Aparecida do Norte e verificar o enlevo com que os fieis se aproximam da imagem e a fitam com verdadeira esperança de alcançarem suas graças.

O fenômeno mariológico mereceu estudos profundos de luminares do pensamento. "Um mundo fundamentalmente másculo, no qual a mulher não tem função é sempre mais um mundo sem Deus, porque, sem mãe, Deus não pode nascer". É paradoxal mas indiscutível esta consideração que o teólogo ortodoxo, o leigo Pavel Evdokimov escrevia no seu ensaio "A mulher e a salvação do mundo".

Mais surpreendente ainda, o que o filósofo ateu Jean-Paul Sartre escreveu num texto teatral, composto para o Natal de 1940, enquanto se encontrava recluso, com outros prisioneiros, no cárcere nazista de Treviri. Eis as palavras com que pretendeu traduzir os sentimentos de Maria, mãe de Jesus, Filho de Deus: "Cristo é seu filho, carne de sua carne e fruto de suas vísceras. Ela o carregou por nove meses e lhe dará o seio, e seu leite se converterá em sangue de Deus. Ela sente que o Cristo é seu filho o seu pequeno, e que ele é Deus. Ela o fita e pensa: "Este Deus é meu filho. Esta carne divina é a minha carne. Ele é feito de mim, tem os meus olhos e esta forma de sua boca é a forma da minha. Ele parece comigo. É Deus e parece comigo!".

A nenhuma outra mulher no mundo foi concedida essa graça. Um Deus pequeno, um bebê, que se pode prender entre os braços e cobrir de beijos, um Deus todo vivo, que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e carregar.

Todo o talento humano foi lapidado na multiplicação de imagens de Maria. As mais belas pinturas, as mais artísticas esculturas, as maravilhosas "Aves Maria" de compositores famosos, tiveram a mãe de Cristo como inspiração. Quantos livros, quantas teses, dissertações, ensaios e artigos foram escritos a respeito Dela e quantas interpretações já mereceu o "Magnificat"? Ele ocupa a parte central do tríptico dos hinos que constam do Evangelho da infância de Jesus, junto com o "Benedictus", cântico de Zacarias e o "Nunc dimittis" de Simeão. Ouvir o "Magnificat" de Bach, composto em 1723, é mergulhar num clima supra terreno, é sentir o sopro divino que fortalece a crença no design inteligente.

Por mais de vinte séculos, cantando o "Magnificat", a Igreja repete uma única, idêntica e contínua prece, que exalta o triunfo de Deus, alcançado não mediante o poderio e as manobras políticas e a prepotência militar e econômica, mas através dos simples, dos pobres, dos esquecidos nos anais da história política.

Nossa cidade nasceu sob uma das invocações marianas: Nossa Senhora do Desterro. Hoje, celebra-se Nossa Senhora Aparecida. Muitas invocações, mas uma única Mulher, Maria, que segue seu filho, o Cristo, na glória da ressurreição. Intercede pelos pecadores e a todos acolhe, qual mãe amorosa. É bom saber que no céu, duas mães me esperam! Salve a Virgem Aparecida, santa mãe de Deus e nossa!

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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