Obra de Aílton Krenak, "Futuro ancestral" é um livreto de bolso, com uma centena de páginas. Embalagem miudinha repleta de observações e provocações de toda ordem, com pensamentos que se formam, serpenteiam e se agigantam, como os rios dos quais ele trata. Liderança indígena brasileira, Krenak repete que não defende somente os povos originários, e sim toda a humanidade de sua autodestruição. Ele sabe que a sentença que soma consumismo desenfreado, destruição ambiental, concentração de riqueza e proliferação de miséria encaminha a nossa espécie ao próprio fim. Não há outro bioma nem outro planeta próximo para usufruirmos e - com o atual modelo de vida em sociedade - destruirmos. "Futuro ancestral" contém textos organizados pela documentarista e escritora Rita Carelli a partir de palestras online, mesas virtuais e presenciais e seminários dos quais Krenak participou entre 2020 e 2021, durante e imediatamente depois da pandemia de Covid 19. São textos a respeito de rios, cidades, pandemia, consumo, urbanidade, vida moderna e "outras geringonças", como o próprio autor define em um de seus pronunciamentos. Krenak advoga, por exemplo, que a vida coletiva urbana não deixe de lado a natureza. O necrocapitalismo que o autor evoca ao mencionar a lógica da destruição ou da domesticação da natureza nas cidades contemporâneas, com seus rios e córregos poluídos e sufocados por tapumes de concreto. Menciona a tecnologia contemporânea de produzir pobreza em larga escala: ela tira quem pesca e colhe frutos da beirada do rio e empilha-o na periferia da cidade, onde não pode mais pescar porque as águas que correm por ali estão podres.
Trata da colonização de matriz ocidental, que carrega a ideia de cultura em oposição à de natureza. Em que todos precisam se submeter a uma lógica de destruição. Lembra da fala do líder Seattle diante do representante armado de Washington: "Ensina os teus filhos a pisarem suavemente a terra, a amarem a brisa da montanha e a reconhecerem o voo da águia. Pois se não aprenderem isso, um dia vão despertar imersos em seu próprio vômito".
Cito de forma ligeira algumas das observações agudas e urgentes de Krenak, para quem a nossa espécie humana não aceita o próprio fim natural – seres vivos, afinal, acabam morrendo. Prolongamos nossa estadia depredando o entorno. Que lógica estranha. Para ele, acabaremos sendo "postos pra fora do planeta" devido a nossa "incompetência, inadimplência, abuso e todo tipo de prevaricação em que a gente se meteu em favor da ideia de prolongar a própria vida".
Ailton Krenak nasceu em 1953, próximo do rio Doce, em Minas Gerais. Mudou-se ainda na infância com a família para o Paraná, onde estudou e trabalhou como gráfico e jornalista. Em 1988, assessorou parlamentares da Assembleia Nacional Constituinte que redigiram a "Constituição Cidadã", em que passam a ser garantidos – mas muitos ainda não cumpridos – direitos dos povos indígenas. Organizou a Aliança dos Povos da Floresta e é um dos fundadores da União das Nações Indígenas. Escreveu também "Ideias para adiar o fim do mundo" e "A vida não é útil".
Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)