Opinião

A estupidez do príncipe

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Na última semana, o Brasil começou a acompanhar o julgamento dos envolvidos nos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023 e um dos advogados de defesa de um dos acusados ganhou os holofotes após cometer um erro literário acachapante, no qual confundiu o Príncipe de Maquiavel com o Príncipe de Saint-Exupéry. Motivo de chacota nas redes, o advogado me confirmou uma teoria que eu apoio: a estupidez precisa voltar a ser alvo de humilhação.

"Quando eu era criança, eu tinha medo de falar alguma burrice", disse o influenciador Casemiro em uma de suas lives. E eu compactuo com ele. O meu maior medo na hora de abrir a boca na frente das pessoas na época da escola era de não cometer uma estupidez, porque se eu fizesse isso, seria zoado sem nenhuma misericórdia. Aí eu sempre seguia o conselho que ouvi de alguém, que hoje não me lembro, que dizia que "se não tem o que falar, tussa". Ou, como o próprio Casemiro lembrou nessa mesma live, "O Cajuru [ex-apresentador de TV e hoje senador] já dizia que 'o silêncio não comete erros'".

Então, era lei ficar quieto quando você não sabia de algo. E o parágrafo segundo dessa lei liberava a humilhação pelos demais caso uma burrice fosse proferida. De certa maneira, isso moldou meu caráter e cresci com essa consciência de só abrir a boca quando eu tivesse certeza, parafraseando Ofélia, personagem da gloriosa Claudia Rodrigues.

O problema é que a estupidez deixou, em algum momento, de ser motivo de humilhação. As pessoas passaram a se orgulharem de serem burras. Nelson Rodrigues já tinha nos alertado que o mundo seria dominado pelos idiotas, não pela capacidade deles, mas pela quantidade. Os idiotas se reconhecem e se aplaudem e, talvez por isso, perderam o medo de serem imbecis e cometerem imbecilidades.

E isso acontece, penso eu, muito graças ao poder de amplificação que a internet tem. Umberto Eco concordaria comigo, principalmente se eu o fizesse assistir os "melhores" momentos do rapaz que fazia um podcast famoso e tem apelido de uma bicicleta mais famosa ainda. Quando pessoas como esse aí falam suas asneiras, ao invés da reprovação, encontram eco nas cabeças vazias de milhões de internautas que fazem a seguinte assimilação: "Não sou só eu quem penso assim, então isso significa que eu não sou tão burro". Que burrice.

O advogado, com toda sua pompa, gel no cabelo, óculos de grife e roupa de marca, não conseguiu honrar sua classe que sempre foi tida como a de pessoas de notório saber. Claro, isso foi há muito tempo, porque hoje em dia não é nem um pouco difícil encontrar pessoas formadas (seja em qual área do conhecimento for) sem nenhuma condição de sustentar um argumento sem apelar para uma informação falsa ou equivocada.

No que eu observo na sala de aula (e estou falando também da universidade) é um misto de preguiça e covardia quando o assunto é a busca pelo conhecimento. É fato que todas as informações do mundo (ou grande parte delas) está na palma de sua mão, mas isso não significa que você não precisa ampliar sua capacidade de pensamento. Porém, basta um Google e pronto, lá estava o que você queria falar. Você fala e, no instante seguinte, esquece.

Sem contar quando você não verifica a informação e fala uma besteira igual o advogado que disse que a frase "Os fins justificam os meios" teria sido dita por Maquiavel, em o "Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry. Primeiro que no "O Príncipe" - esse sim de Nicolau Maquiavel - não existe em nenhuma página a frase "os fins justificam os meios", o que mostra que o advogado em questão não leu o livro. Segundo que não saber distinguir essas duas obras é tragicômico.

A estupidez do advogado principesco está justamente na convicção em achar que não é estúpido. Resta saber se, após a humilhação pública, os apedeutas de plantão voltarão a temer e, se certificarão antes de abrirem a boca. E só pelo fato de buscarem se certificar dos fatos, já dá para tirar a pessoa da condição de estupidez.Tudo isso resolveria muito dos nossos problemas.

Estúpidos precisam voltar a ter medo e vergonha de serem estúpidos. Sejam eles príncipes ou não.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

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