Opinião

Microagressões

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Saudações pessoas ilustradas. Prosseguindo na costumeira linha de raciocínio, de há algum tempo ouvimos questionamentos logo após comentários sobre abordagens racistas e/ou de politicamente incorretas, alegando que, "de uns tempos para cá, tudo é incorreto, é preconceituoso, é ofensivo etc".

Quem disse que as "brincadeiras" ou chamar alguém por suas características físicas, deficiências, cor, gênero, orientação sexual, origem, não eram ofensivas? Era muito comum chamar alguém de "quatro olhos", "gordo", "Pelé", "tição", "fundo de panela", "bichinha", "cegueta", "paraíba" e tantos outros apelidos!

Eu, particularmente, ficava muito irritado quando alguém me chamava por "pelé"; na escola de "tição", "fundo de panela"; "nego do cabelo duro", "cabelo de bombril", entre outros que, até os dias atuais, causam-me irritação e, naquela época, não havia meios de defesa.

Lembro muito bem que quando isso ocorria em sala de aula ou no "recreio", ao levar o assunto a diretoria ou à professora, a resposta era de que o autor ou autores "estavam apenas brincando" - com meus a respeitos - "brincando o cacete", porque a mágoa era bem grande e no mais das vezes - como dizem os jovens hoje - "saia na mão" contra os agressores ao encontrá-los fora da escola!

Esse tipo de comportamento é chamado de "microagressão", pois sua reiteração mina profundamente a autoestima, desgosto, respeito, tudo o mais e, obviamente, não eram e não podem ser tratados apenas como "singela brincadeira" ou apenas uma "piadinha sem maior importância".

Já repararam que, por exemplo, os programas humorísticos não apresentam quadros ironizando pessoas com deficiência física, orientação sexual, machismo, comumente protagonizados pelo saudoso Chico Anísio, Costinha, José Vasconcelos, Batoré, entre outros?

Nos programas humorísticos, filmes, desenhos animados e teatro Americanos, praticavam, com certa regularidade, o famoso "blackface", no qual as pessoas pintavam o rosto com maquiagem de cor preta, pintavam a boca com maquiagem branca, usavam luvas brancas invariavelmente ridicularizando as pessoas negras, até que o movimento antirracista passou a exigir eliminação desse tratamento vez que tais condutas eram ofensivas - até que, a partir dos idos de 1970, passou a ganhar musculatura alcançado a eliminação desse tipo de apresentação.

Como consta linhas atrás: quem disse que isso era normal e ninguém reclamava ao ser chamado de "macaco", "quatro olhos", "galo cego", "gordo", "nega do cabelo bombril" ... não magoavam?

Sem qualquer dúvida, ainda que pudesse parecer apenas brincadeira, essa microagressão ficava - como a mim ficou - na memoria remota, mas ficou!

Esse tipo de microagressão delimita comportamento, eleva preconceito, amplia ideias racistas e abre oportunidade para posicionamentos excludentes contra essas pessoas, o que não mais se admite nos dias recentes.

Já tive a oportunidade de dizer isso aqui e tomo a liberdade de retomar as definições da palavra "negro" e suas derivações nos dicionários, permitido designações tais como "mercado negro", "nuvens negras", "lista negra", "denegrir", com o intuito estratégico em destruir a autoestima e agravar a imagem das pessoas negras, comparando-as a situações ruins, bastando substituí-las por "mercado clandestino"; "nuvens escuras", "lista de pessoas maldosas", "manchar", e por ai vai.

A mídia, por sua vez, exerce papel preponderante na difusão das imagens negativas, na medida em que insiste em omitir os grandes e importantes exemplos praticados pelas pessoas negras em todos os ambientes, fazendo questão em divulgar a presença desses personagens nas situações de dificuldade na saúde, moradia, pobreza extrema, segurança, mercado de trabalho, deixando transparecer que insistem em dizer onde seria o lugar dessas pessoas.

Nos dias atuais deparamos com mudanças, porém ainda muito tímidas se compararmos com números absolutos da população, ou seja, por constituir mais que 50%, a desigualdade seria proporcional, e com bom perspectiva a partir da educação real, verdadeira e redução das microagressões. Quem disse que era só brincadeira?

Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

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