Opinião

Dossiê Drummond

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Livro do jornalista Geneton Moraes Neto, "Dossiê Drummond" contém longa entrevista do poeta, além de depoimentos de diversos amigos, de personalidades e da namorada.

O jornalista conseguiu, em agosto de 1987, um feito e tanto. Entrevistou pelo telefone o poeta, a maior parte do tempo arredio a repórteres. Sabedor de que Drummond gostava de uma prosinha ao telefone, arriscou a ligação. O poeta pretextou problemas de saúde na família para não marcarem entrevista ao vivo. De fato, sua filha única, Maria Julieta, estava com câncer em estágio avançado. O repórter disse que poderia ser pelo telefone, naquele momento. Drummond topou e a prosa se estendeu. Foi sua última entrevista. Cinco dias depois, Maria Julieta morreu. Doze dias depois de enterrar a filha, foi-se o pai, vítima de enfarte.

Para compor o livro, o jornalista acrescenta à entrevista muitos depoimentos. A maior parte, é claro, louvando o grande autor, reconhecido no meio literário como o maior nome da poesia brasileira. Mas há também os do contra. O poeta e tradutor Décio Pignatari, por exemplo, afirma que Drummond "nunca teve uma única ideia original". Não é o que dizem seus contemporâneos. O político Luís Carlos Prestes também não gostava do mineiro. Geneton conta os motivos. Depois de visitá-lo na cadeia, Drummond disse que Prestes era cristão, o que o líder comunista negou enfurecido. Nélson Rodrigues também espicaçava Drummond, porque o poeta achou de mau gosto cena de aborto em uma de suas peças. Mas o saldo positivo é amplamente favorável. Antônio Houaiss, João Cabral de Melo Neto, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Millôr Fernandes, Ziraldo, Paulo Francis tecem loas ao bardo de Itabira. E contam causos. Como o trote que Sabino foi pregar e que acabou se voltando contra ele mesmo. Ou ainda Millôr, que achou num mercado de pulgas fotos antigas do Rio de Janeiro, comprou-as para Drummond, cronista louvador da Cidade Maravilhosa. Na primeira oportunidade, entregou entusiasmado o presente. O presenteado agradeceu monossilábico e foi-se. Mas o feito maior do repórter foi transcrever fitas de conversas gravadas entre o poeta e sua namorada, Lygia Fernandes. Casado com Dolores Morais, com quem teve a filha, Drummond manteve a relação adúltera por décadas. Conheceu Lygia na repartição pública em que trabalhavam. Ele com 49, ela com 24 anos. Ficaram juntos por 36 anos. O autor escreveu dezenas de poemas de circunstância à namorada, além de dedicatórias apaixonadas em livros presenteados. Geneton conheceu Lygia no ano da morte de Drummond, em 1987. Conquistou sua confiança. A namorada mostrou ao biógrafo muitas páginas manuscritas por "Carlos", como ela o chamava. O jornalista tentou em vão que esse material fosse doado a algum acervo público.

Geneton Neto nasceu em Recife, em 1956. Reconhecido como um dos grandes repórteres brasileiros, publicou "Dossiê Gabeira", a respeito do jornalista Fernando Gabeira. Com Joel Silveira, outro gigante da reportagem, escreveu "Hitler e Stálin, o pacto maldito" e "Nitroglicerina pura". O jornalista morreu em 2016, no Rio de Janeiro.

Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)

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