Opinião

Uma lei igual perante todos

14/07/2023 | Tempo de leitura: 3 min

"Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante a todos." A frase é de Salvador Allende, ex-presidente do Chile que se suicidou no ano de 1973, no auge de um golpe militar.

Ainda que sobrevenham pensamentos contrários, a frase do então presidente desperta reflexão.

No caso brasileiro, temos e sabemos que a lei é e foi criada por todas e para todas as pessoas indistintamente, todavia, não é o que presenciamos no dia a dia!

Já citei neste espaço que contamos com vasta legislação tratando de tudo e sobre tudo, porém se verifica interpretação diferenciada, corporativa e dirigida com olhar diverso a depender da pessoa a ser julgada.

Um dos fatos gritantes são as penas impostas às pessoas de pele escura, restando concluir que, por exemplo, a cor da pele é "agravante" na avaliação do fato concreto e na fixação da pena.

Nesse rumo é difícil esquecer daquela juíza que estranhou o fato de o criminoso não ter estereótipo de bandido porque tem pele, olhos e cabelos claros e isso se confirma a partir do percentual de pessoas negras encarceradas das quais muitos inocentes e, no mais das vezes, condenados após frágil e duvidosa exibição de álbum fotográfico.

Não bastasse, é sabido que grande parte do ensinamento jurídico é amparado em posicionamento de festejados filósofos defensores da supremacia branca, acrescida dos posicionamentos médicos/psicológicos afirmando que, por exemplo, os negros são criminosos em potencial, dissolutos, preguiçosos e demais adjetivos que me revolvem o estômago em repetir!

De outro lado, não se pode perder de vista a descabida ideia da perda dos privilégios que impede ou limita a oferta de oportunidades em igualdade de condições, cujo comportamento dificulta e se confirma a perda vultosa de talentos em toda área da vida pelo só fato da tonalidade da cor da pele.

Some-se a toda essa problemática o distanciamento dos quesitos "empatia" e "igualdade", nas hipóteses de avaliação real, a ponto de, por exemplo, em uma disputa judicial na qual se pleiteia indenização por ofensa moral, sobrevém decisões afirmando que "mero aborrecimento" não conduz a compensação financeira! Interessante lembrar que "aborrecimento" é juízo de valor, ou seja, somente aquele que sofre a ofensa é que pode avaliar o tamanho do sofrimento e da dor experimentada. É certo que não se há de estimular abusos nos pedidos indenizatórios em qualquer direção (vultosas ou ínfimas), mas que pedidos dessa natureza sejam fixados, dependendo do valor e capacidade do acusado visando sua não repetição ou ínfimas agravando o constrangimento da vítima.

O que se extrai desses fenômenos? De um lado, que existem leis para tudo e que não são aplicadas com igualdade. Tomemos o caso daquele sujeito que foi encontrado portando 1,53 gramas de cocaína e condenado por "tráfico" a 7 anos e 11 meses, enquanto que jovens brancos com quantidades maiores são classificados como "usuários". Pesquisa realizada nos idos de 2008 apontou que "brancos em regiões mais nobres das cidades são considerados usuários, mesmo com quantidades maiores de droga do que negros, que tendem a ser considerados traficantes. O critério se estabeleceu na pratica e é simples: "branco é usuário, negro é traficante" (https://piseagrama.org/artigos/branco-e-usuario-negro-e-traficante/ ).

Nessa linha de raciocínio, o Magistrado que passou por Jundiaí (Dr. Paulo Roberto Ferreira Sampaio), em uma sentença, com brilho ímpar fez constar: "4ª) que não se detecte qualquer resquício de pieguice ou demagogia nesta afirmativa, mas o fato é que para se ter ao menos uma noção do que significa ser discriminado, sobretudo pela cor de sua pele, seria necessário, logicamente no plano hipotético, que cada um de nós vivesse por pelo menos um mês no lugar de uma pessoa negra, e sofrêssemos tudo o que um indivíduo nessa condição sofre; talvez, só assim possamos nos conscientizar da gravidade do racismo, ainda, lamentavelmente, muito presente em nossa sociedade, apesar de toda a evolução cultural que recomendaria o contrário."

É isso! É preciso estar mais perto da realidade e avaliar com mais critério e em respeito à dignidade que é o que a sociedade tanto merece e clama.

Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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