OPINIÃO

Certa vez fomos unidos

09/07/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Um Brasil polarizado, em que famílias se dividem por causa da cegueira causada pelo fundamentalismo, pode não acreditar que já houve ocasiões em que o sentimento comum foi capaz de empolgar vasto contingente populacional em torno a uma causa.

Exemplo que deve ser realçado e exposto às novas gerações é a Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932. Foi a demonstração de que São Paulo se uniu em torno a uma causa capaz de inflamar o coração bandeirante.

A gente de São Paulo não cultuava as pompas do poder, refúgio de áulicos e de ambiciosos junto à Corte e, em seguida, junto ao Governo Federal. Preferia levar sua vida de trabalho e de quase anonimato, embora cultivasse a melhor cultura. Por que a Semana de 22 aconteceu aqui? Não foi por acaso.

Em 1924, São Paulo foi metralhada. Escolheram-na para brigar aqui. A população fugiu. Muita gente morreu. O trauma fez com que essa Revolução fosse esquecida. Já não se fala dela.

Havia um pavor à mera menção ao verbete "Revolução". Pois em 1917 ela acontecera na Rússia. Temia-se o comunismo. Mário de Andrade, numa crônica, dizia que "Comunismo" significava tirar alguma coisa do outro. Algo que ainda habita a consciência de muitos medrosos.

Não mexessem com São Paulo e tudo continuaria bem. Aqui se trabalhava e a política era um recanto não frequentado pelas massas. Só que o ditador Vargas começou a nomear e a destituir interventores alheios aos costumes paulistas. Algo que fez adversários ferrenhos, como o PRP e o Partido Democrático se unirem.

Júlio de Mesquita Filho, num comício promovido pela Liga de Defesa Paulista para comemorar o 25 de janeiro de 1932, proclamava: "A vontade que anima a multidão é aquela mesma vontade que outrora nos levou a dilatar desmedidamente os limites da primitiva Colônia: a resolução de que se acha possuída em nada difere da decisão serena com que séculos a fio palmilhamos o sertão brasileiro, disputando a terra, os tesouros em seu seio escondidos, e conquistando palmo a palmo a floresta, o tereno sobre o qual edificaríamos um dos mais belos monumentos da civilização moderna".

Sim. São Paulo é um belíssimo e invulgar monumento civilizatório. Se tivesse um pouco da união evidenciada em 1932 e seria imbatível. Naquele ano, a população foi exortada a se alistar na Liga Paulista Pró-Constituinte e no MMDC, a sigla formada pela primeira letra do nome dos quatro jovens mártires, assassinados pelo arbítrio em 23 de maio de 1932.

O chamado à ordem era uma verdadeira intimação emocional: "Paulistas! Chegou a hora de enfrentar nossos opressores. Cada paulista de nascimento e de coração tem o dever de tornar-se soldado. Move-te, toma providências já e vem servir com os teus irmãos!".

As mulheres abandonaram a faina doméstica e vieram trabalhar em todas as frentes de apoio. As crianças se motivaram e vibravam com a valentia patriótica. Disseminou-se o amor pela Constituição, algo que nunca foi superado e que, ao desaparecer, permitiu que ela fosse tantas vezes ultrajada.

São Paulo perdeu a luta. Os que haviam prometido aderir a ela nos abandonaram. O editorial de "O Estado de São Paulo" de 4 de outubro de 1932 enfatiza a vitória moral: "O que não se conseguiu hoje será conseguido amanhã. A luta não acabou: vai transformar-se. O sangue que se derramou pela Constituição não se perderá. As vidas que as armas da tirania ceifaram não foram desperdiçadas".

Crianças e jovens de hoje sabem o que se celebra em 9 de julho?

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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