Opinião

'Deus me disse o que ele odeia'

Por |
| Tempo de leitura: 4 min

Na última semana, um pastor (que já se envolveu em outras polêmicas relacionadas à religião) foi tema mais uma vez das discussões na praça virtual. Em um culto realizado na Igreja Lagoinha, em Orlando, nos EUA, o líder religioso André Valadão exibia em um grande telão a frase "Deus odeia o orgulho", no qual a palavra orgulho estava colorida com as cores da bandeira do Orgulho LGBTQIAP . Em sua fala, Valadão afirmava que Deus não gostava de nenhum tipo de orgulho, mas nós sabemos que o discurso tinha um alvo bem específico.

A polêmica se deu justamente nos primeiros dias de junho, mês no qual o mundo volta suas atenções para o combate à homofobia. Um mês que enaltece o orgulho LGBTQIAP . Para o pastor, "Deus odeia o orgulho. Deus não tolera. Uma das palavras mais difíceis para Deus é o orgulho". Trocando em miúdos, Valadão dá a entender que a luta contra a homofobia é um pecado. Mas vem cá. Como ele sabe o que Deus odeia ou deixa de odiar? Permita-me usar a filosofia para tentar entender isso.

Os gregos, a partir de Aristoteles, entendiam que toda a vida estava ligada ao Universo, ao Cosmos. Para provar a existência desse universo, bastava observar a natureza em um método contemplativo. Para se conectar com o Cosmos, bastava contemplá-lo.

Já o cristianismo, entretanto, não estava interessado no universo. Eles queriam era se conectar com o criador do Cosmos. Diferente dos gregos, que bastava usar o método contemplativo, os cristãos precisavam de outro método para se conectar a Deus. Eles escolheram o método dialógico. É isso mesmo: eles iriam conversar com Deus.

Isso tudo porque os ensinamentos de Cristo que, 300 anos após sua morte foram compilados - e distorcidos - em um livro, ainda não davam conta para um entendimento completo do que Deus era ou o que ele queria de nós. Dialogar com Deus e perguntar diretamente o que ele gosta ou não passou a ser uma prática comum. Essa prática é chamada de oração.

A oração passa a ser extremamente conveniente, pois você fala à vontade, não tem nenhuma resposta do outro lado e qualquer acontecimento pós-oração se torna passível da interpretação de que aquilo foi a resposta divina que você estava esperando. Não sei se você notou, mas "conversar" com Deus é algo muito poderoso, pois você pode usar a "resposta" que você quiser para favorecer você, seu grupo ou a sua ideologia.

O problema é que cada um fazia sua própria interpretação, o que ameaçaria uma unidade cristã. Para controlar quem era "autorizado" a levar as respostas do altíssimo para as pessoas, foram nomeados homens que seriam representantes de Deus na Terra e, portanto, entendedores da vontade divina. Padres, bispos, sacerdotes, pastores… Homens com poder para nos dizer o que Deus gosta ou deixa de gostar. E como eles não podem comprovar o que dizem, invocam a fé como único recurso.

Essas pessoas, como o pastor André Valadão, se baseiam na Bíblia para fundamentar suas interpretações da vontade de Deus. Levíticos, capítulo 20, versículo 13 é a passagem favorita para quem quer comprovar que homossexualidade é pecado. Ok. Mas devemos lembrar que foi no mesmo livro de Levíticos [11: 7-8] que condena quem come carne de porco e que [19:27] proíbe o corte da barba e de cabelos curtos. Segundo essa lógica, se você foi no barbeiro e comeu bacon, você é tão pecador quanto um homossexual.

Aliás, o que seria a Bíblia se não um copilado de interpretações sobre Deus e suas vontades?

Penso que pessoas como André Valadão estão apenas escondendo sua homofobia atrás de um delírio cristão: o de que Deus conversa com você e diz exatamente o que ele quer e gosta. Esse delírio já matou muita gente e vai continuar matando.

Sem contar que tudo o que eu aprendi sobre Deus - esse cristão aí - está relacionado a amor. Se Deus é amor, não consigo imaginar essa mesma entidade odiando algo ou alguém. Mas aí é só minha interpretação e, diferente do pastor, eu não tenho nenhuma pretensão e arrogância em ditar regras em nome do altíssimo. Talvez isso deva ser algo que irrite Deus profundamente.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

Comentários

Comentários