Opinião

O país por trás do logo

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Quando chega à metade, "Air: A História Por Trás do Logo" dá uma pista preciosa para enxergarmos suas reais inclinações: a personagem de Jason Bateman fala sobre a música "Born in the USA", de Bruce Springsteen, que, para ela, até então, era sobre ficar doido com a "liberdade americana". "Mas hoje eu prestei atenção na letra", diz, "e não é sobre liberdade. Nem perto disso. É sobre um cara que volta do Vietnã e não consegue trabalho."

Nesse contexto, a música - que retorna no fim, em meio às obrigatórias legendas que indicam o destino de cada personagem - aponta ao filme. A personagem de Bateman parece nos dizer que talvez "Air" não seja bem uma história de vitória, de grandeza, outro avanço do ator e diretor Ben Affleck para valorizar o estilo de vida americano.

O filme começa com uma avalanche de imagens que resume os anos 1980. Entre novidades e idiotices, entre produtos e gente com laquê no cabelo e dormindo no escritório: é a era Reagan e toda sua babaquice enlatada, suas músicas estridentes, seus yuppie feitos em série, com os clichês de sempre: Jane Fonda dando aulas de ginástica, a princesa Diana apresentando seu bebê, Hulk Hogan jogando alguém na lona, Sylvester Stallone cantando, telefones quadrados, fitas k7, toda uma suposta modernidade que hoje cheira a mofo.

É sob esse clima insuportável, com montagem agitada, que somos apresentados ao protagonista Sonny Vaccaro (Matt Damon), funcionário da Nike responsável por encontrar talentos do basquete e introduzir seu produto entre os atletas. A certa altura, Sonny percebe que a Nike precisa do atleta mais promissor do momento: Michael Jordan.

Na superfície, "Air" é o que parece ser, um filme sobre como a Nike criou um produto para Jordan, o "Air Jordan", e como fundiu o homem à sua marca, e como ganhou milhões com essa ideia. Voltamos então à interpretação da música de Springsteen e percebemos que todo o agito que empurra uma suposta história de vencedores esconde algo indigesto.

É preciso olhar com calma. "Air" não é apenas sobre um golpe publicitário que deu certo, é sobre um país inteiro embalado no mercado, no qual tudo e todos são produtos, no qual a frase de Sonny para Jordan na reunião para fechar o negócio - que deveria ser emotiva e termina por nos constranger - resume a crença estúpida de que alguns se tornarão lendas e durarão para sempre quando, na verdade, todos ali só querem fazer dinheiro.

É verdade que Jordan virou uma lenda. É verdade que a Nike é uma das empresas mais famosas do mundo. É latente que o filme não trata apenas desse encontro entre homem e marca. "Argo", do mesmo diretor, também não tratava apenas de um plano de fuga do Irã, quando alguns americanos ficaram presos ali após a Revolução de 1979.

Mas "Argo" conseguia ser um pouco mais emocionante. Seu lado cômico não o permitia se dobrar por completo à patriotada. "Air" tenta ser outra coisa, um filme para dentro, feito no quintal dos americanos, sobre suas empresas, seu estilo de vida, no qual cada quadro guarda uma publicidade, uma marca, um produto, no qual o protagonista precisa ter certeza de seus acertos ao ouvir um jovem caixa de um mercado - como se o povo ainda sobrevivesse nesse antro de guloseimas e chocolates que explode nos nossos olhos.

Para mitificar seu grande herói, Michael Jordan, o filme não mostra sua face. Ele está e não está. Ficamos com a mãe e o pai, sobretudo com a mãe. E nem Viola Davis consegue escapar à caricatura: é, em cada frase, em cada expressão automática, o que esperamos da mãe do ungido, que quer o melhor para o filho - sobretudo quando há muitos dólares em jogo.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)

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