Opinião

Quem não gosta de colo?

14/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min
A característica primordial dos humanos é a fragilidade. Vida efêmera, apenas por algumas décadas e depois despedida deste planeta. Qualquer sopro é capaz de apagar a débil chama. Esse lapso temporal é reservado ao convívio. Seres humanos não conseguem v

A característica primordial dos humanos é a fragilidade. Vida efêmera, apenas por algumas décadas e depois despedida deste planeta. Qualquer sopro é capaz de apagar a débil chama. Esse lapso temporal é reservado ao convívio. Seres humanos não conseguem viver sozinhos. O gregarismo é outro dos componentes essenciais à espécie.

Ao analisar a condição humana de convivente, Aristóteles partiu dessa vulnerabilidade natural, para lembrar que, ao contrário de várias outras espécies, o filhote humano precisa de especiais cuidados. Abandonado à própria sorte, ele não sobreviveria. Isso explica em parte o apego das criaturas racionais pela pessoa que as trouxe à luz e as amamentou e acarinhou.

As mães são aquelas usinas de bem-querer sem as quais nada somos. Sente-se isso de uma forma impressionante quando já não as temos. Não adianta falar que "mãe não deveria morrer". Elas morrem. Só que, ao passo de nos acostumarmos com tantas outras partidas, de seres igualmente amados, não conseguimos superar a morte da mãe.

Vivenciei a experiência da morte de um irmão caçula. Inesperada. Justamente o mais vivaz, o mais irreverente, aquele que conseguiu quebrar a blindagem peninsular de um pai austero, foi o que primeiro deixou a família. Éramos seis... Ficamos cinco!

Lastimar a morte do irmão contou com o colo carinhoso da mãe. Igualmente disponível quando o pai igualmente não suportou a angústia de enterrar um filho, na cruel inversão da ordem natural, e também se entregou à morte. Éramos seis, ficamos quatro!

Novamente o colo materno a confortar o agora órfão. Viúva e desfalcada, mutilada em seu patrimônio amorável, encontrou forças para consolar os filhos restantes. E mostrou-se resiliente, a incentivar a continuidade da rotina. Encontrar alegria nos pequenos dons que a natureza oferece. Recordar passagens gostosas. Rememorar a primeira infância de todos. Enfatizar as coisas alegres que constituem lenitivo para persistir na trincheira.

Eis senão quando, a mãe também se vai. E então sente-se a dolorosa realidade tantas vezes reiterada, sem que se conferisse a real dimensão dessa tragédia: "quem tem mãe tem tudo; quem não tem mãe, não tem nada". Éramos seis, somos agora três!

A maternidade é a demonstração mais cabal de que o universo não pode ter sido obra do acaso, nem resultar de um big-bang. Ou seria mero produto de impressões sensoriais experimentar a ternura materna? Tentar compreender o heroísmo de mães que enfrentam o demônio para salvar sua cria se satisfaz com a noção de instinto?

Satã deve detestar as mães. Ele não teve mãe. Sabe que elas são suas inimigas: pois é próprio das mães, conduzirem a prole para o bom caminho. Elas querem que seus filhos sejam bons, generosos, perfeitos e felizes. Por isso é que são copartícipes eficazes na continuidade da obra divina. Integram, de maneira muito palpável, o milagre da criação.

Lembro-me de uma querida amiga, mãe de três lindas jovens, infelizes em seus casamentos, que reafirmava: - "Sou capaz de ir ao inferno para buscar minhas filhas! Enfrento qualquer demônio para defendê-las!".

Felizes os que têm mãe e podem dizer a elas, todos os dias, não somente no segundo domingo de maio: "Mamãe: eu te amo!". Repetir sem cessar e sem descansar, pois haverá um dia em que isso só poderá brotar do coração e ter como destinatária alguém intangível. Alguém que só residirá na lembrança. Aquele ser de cujo colo carinhoso sentimos falta.

O único amor incondicional, desinteressado e puro é o amor materno. Por isso é que não constitui heresia afirmar-se, não mais que "Deus é Pai", mas, para os que realmente O amam e reconhecem como Ser Supremo, perfeitíssimo, eterno criador do céu e da terra, que "Deus é Mãe!".

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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