DESAFIOS

Comunicação fácil e influência fizeram do Discord um vilão

Por Nathália Souza | Jornal de Jundiaí
| Tempo de leitura: 5 min
Arquivo pessoal
O Discord é usado por Yandra Restivo Olhieri Noguera para falar com outros jogadores
O Discord é usado por Yandra Restivo Olhieri Noguera para falar com outros jogadores

Usado principalmente para a comunicação de jogadores durante partidas de jogos on-line, o Discord foi fundado em 2015 e oferece um serviço semelhante ao do Skype, com chat, chamadas de vídeo e de voz. No entanto, com a facilidade de acesso, uso amplo por adolescentes e a má intenção de algumas pessoas que entram na plataforma, o Discord se tornou um espaço utilizado de forma criminosa. Alguns grupos da plataforma têm discussões e conteúdos que incitam a prática de crimes e parece

Há algum tempo, houve uma série de ataques a escolas no Brasil e parte destes ataques foi creditada ao "desafio do Discord". Assim como no WhatsApp, essa plataforma permite que grupos sejam criados e, nesses grupos, surgem os "desafios" com propostas de ações controversas.

Professora e gamer, Yandra Restivo Olhieri Noguera joga The Elder Scrolls e New Wolrd on-line e usa o Discord durante as partidas para se comunicar com outros jogadores. "Sou professora e tenho um computador só para jogar e outro só para trabalhar. Uso geralmente a chamada de voz do Discord, porque não distrai tanto enquanto você joga. Eu conheci o Discord por causa do meu marido e, quando uso, por ser mulher, outros usuários dão mais atenção, fazem de tudo, até te dão itens de jogo. Mas às vezes chamam para grupo em jogo, é meio complicado para mulher."

"Uso Discord com quem eu jogo e prefiro usar com pessoas que conheço. Meu marido tem um amigo que morava em Brasília, eles conversavam sempre e se conheceram no Discord do jogo. É legal, mas é igual WhatsApp, tem que saber usar", defende.

Para Yandra, um dos fatores que contribuem para a popularização do Discord é a facilidade do uso. "Descobrir telefone demora e, no Discord, geralmente as pessoas usam o mesmo nome que usam no jogo, então é mais fácil identificar e conseguir contato do que descobrir o número da pessoa. Mas vai da pessoa usar corretamente ou não", reitera.

O QUE ACONTECE

Professor universitário, psicólogo especialista em psicologia dos esportes eletrônicos (e-sports) e presidente da Associação Brasileira de Psicologia dos E-sports, Claudio Godoi diz que o Discord é ideal para quem joga on-line. "Ele é leve e não sobrecarrega o computador, mostrando o que seus amigos estão jogando no momento para que você possa jogar junto com eles", explica, acrescentando que a plataforma é "mais popular entre o público jovem, gamers profissionais e casuais, assim como empresas e start-ups".

O psicólogo diz que a plataforma não é o problema. "As comunidades na internet funcionam como redes de apoio para os jovens, seja por Discord, seja por grupo de Whatsapp, o problema não é o aplicativo em si, mas sim com que pessoas nossos filhos estão se identificando e buscando como rede apoio."

Por conta disso, Claudio lembra que o uso do Discord por criminosos assustou quem não conhecia a plataforma, mas o diálogo pode ser solução. "Conversar com seus filhos, se interessar genuinamente por suas atividades, assim como conhecer os gostos, jogos e quem são os amigos com quem eles se relacionam. Se o diálogo em casa é autoritário, as conversas se assemelharem a interrogatórios policiais sobre o que o adolescente conversa ou joga, isso tende a fazer com que os jovens escondam coisas dos pais. Procuram aplicativos que eles não conheçam para se sentirem parte de um grupo."

COMPORTAMENTO

Psicóloga especialista em adolescentes, Michelle Costa diz que "as crianças são mais suscetíveis a serem influenciadas por pessoas no geral, elas não fazem nenhum filtro sobre quem é o outro. E, desde que aquilo atraia a atenção delas, podem repetir ou buscar mais conteúdos por curiosidade. Já o adolescente, ele fica mais suscetível com pessoas do próprio clã. Uma vez que ele está na fase que precisa se espelhar em seus pares, de pertencer a um grupo, ele repete comportamento, gíria, modo de se vestir, etc", o que é ampliado pela internet, como a profissional comenta.

Neste contexto, as pessoas de má índole podem exercer algum tipo de influência. "O adolescente pode se sentir atraído por ações dessas pessoas, uma vez que ele sinta identificação. Atualmente, a agressividade está acentuada em todas as idades e gerações."

"O adolescente tem neurologicamente uma poda em seu sistema cognitivo, o que diminui a capacidade de controle inibitório, pensar logicamente, estrategicamente e de forma racional sobre a ação. O que produz 'estrago' quando ele tende para a delinquência", explica.

Assim como Claudio, Michelle lembra que o diálogo aberto é fundamental. "Ter uma relação aberta onde o adolescente se sente seguro e não vigiado é melhor. O uso do autoritarismo não funciona. A família precisa oferecer um ambiente seguro para que ele fale de seus 'devaneios', como, por exemplo, ele dizer que acha 'legal' o cara mau do game e não ser punido por isso, mas, sim, ter espaço para falar porque ele está criando essa ideia sobre o legal é o ruim e, a partir daí, orientá-lo. O adolescente está construindo seu pensamento crítico e, nessa fase, geralmente, ele quer contrariar as leis (família) que até então o regiam."

Por fim, a psicóloga diz que pessoas com psicopatia dão indícios desde cedo, como destruir brinquedos de outras crianças para vê-las chorar ou agressividade com animais. Mas nem toda agressividade quer dizer isso e a avaliação profissional é importante. "Precisa ficar atento, se houver mudança no comportamento, como isolamento e infelicidade recorrente, é importante procurar uma avaliação psicológica. Às vezes pode ser apenas da fase do adolescente, mas, às vezes, pode estar dando indícios de transtornos maiores", comenta.

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