A ideia é e sempre foi maravilhosa, sendo que muito do que consta da Declaração Universal de Direitos Humanos são tão elementares que não exige esforço para entender o que consta do artigo 1º: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade".
Ao confirmar os índices de violência, se constata a absoluta desobediência de tais recomendações, permitindo a impunidade e, por consequência, a repetição das ofensas feminicidas, racistas, homofóbicas, de intolerância religiosa etc e etc.
O que fazer diante desses fenômenos? A solução exige esforço de alta monta, pois que passa muito próximo da vida humana e sua estrutura, massificada pelos programas didáticos pedagógicos, os quais, como já disse aqui nessa coluna, deixa muito a desejar, sendo certo que a resposta efetiva está na interpretação e aplicação da lei "nua e crua".
A dificuldade para que as ofensas reduzam - a meu olhar - está no distanciamento das autoridades dessa realidade, notadamente, em razão da formação educacional, que não prestigiam a convivência saudável entre as pessoas, sendo que, no que respeita a diversidade racial, se idealizou e incutiu a ideia da supremacia branca, gerando todas as dificuldades enfrentadas até os dias atuais.
Nesse sentido vale lembrar que havia até a pretensão do branqueamento sustentada por festejados pensadores homenageados com nomes de rua, praças, laboratórios, universidades, a exemplo do Euclides da Cunha (imortal da Academia Brasileira de Letras) afirmando em sua obra "Os Sertões: "O mestiço é quase sempre um desequilibrado... um decaído, sem energia física dos ascendentes selvagens, sem atitude intelectual dos ancestrais superiores".
Com esse mesmo pensamento, outro "imortal", Silvio Romero, também detentor da teoria do branqueamento, afirmou que: "Pela seleção natural, o tipo branco irá tomando preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mundo". Em mesmo nível deparamos com conclusão do médico italiano Césare Lombroso, afirmando que "os negros são criminosos natos", acompanhado de muito perto, entre outros (pensadores), por Nina Rodrigues, alegando que "os negros são naturalmente criminosos".
Com esse mesmo raciocínio, o antropólogo Sergio Adorno (USP) apurou que os negros sofrem as penas mais severas que os não negros, restando comprovado que tal avaliação é repetida até os dias atuais, a exemplo daquela juíza em Campinas, afirmando, no ano de 2016, que o condenado "não tinha estereotipo de bandido porque tem pele, olhos e cabelos claros", seguido por outra juíza no Estado do Paraná, que, ao condenar, em agosto de 2020, um homem negro, afirmou que "seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça".
Os efeitos devastadores provocados por esses "pensadores, pesquisadores, iluministas" são comprovados até os dias atuais, na medida em que em qualquer avaliação os integrantes da comunidade negra permanecem no balaio dos invisibilizados e classificados tal e qual ensinamento lombrosiano, o que, apesar das robustas provas de que estavam errados, ainda são tratados com descaso, desrespeito, ódio gratuito, bloqueios de toda espécie.
Visando diminuir os crimes raciais, foi editada no mês de janeiro deste ano a Lei n. 14.532, tipificando como racismo os crimes de injuria, elevando a pena de 1 a 3 anos, para 2 a 5 anos de reclusão e, outra medida de alta importância, é que o Ministério Público, ao tomar conhecimento desses fatos, deverá adotar as medidas necessárias.
Outra providencia que poderá contribuir com a redução das ofensas raciais é a condenação dos autores a suportar indenizações de alto valor, fazendo com que a dor seja muito sentida onde mais dói: o bolso; sendo certo que condenações em valores ínfimos não inibe a repetição.
Por fim, basta cumprir a lei, para que a dignidade da pessoa humana seja respeitada em todos os seus termos. Estamos de olho nos casos do entregador chicoteado; da professora humilhada em voo; do casal agredido no Carrefour; da intolerância religiosa no BBB23...
Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)