Veio menina para o Brasil. Casou, teve cinco filhos.
Por longos sessenta e dois anos a companheira fiel com o homem que escolheu. Além dos árduos deveres domésticos, dos cuidados com a educação dos filhos, cultivava com estrema dedicação um belo jardim.
As flores colhidas perfumavam a casa e em vez do cruel piso cimentado, floresciam no solo do quintal, o cajueiro, a pitangueira e o velho abacateiro.
Na antiga sacada, as samambaias em espirais dependuradas, tremulavam assopradas pela suave brisa e nos cantos, junto à clara varanda, os delicados vasos de antúrios, com aromas de todas as cores.
Na área da frente da casa branca havia um quadro decorativo de porcelana onde se lia: Seja bem-vindo, o amor mora aqui.
Foi num ambiente assim, simples, mas encantador, de tantas plantas e de intenso amor, que esta corajosa mulher nos criou.
Sua dedicação aos filhos assumia a feição de um verdadeiro entusiasmo religioso. Brincar na rua, só com o dever da escola feito.
Na hora de dormir lá estava passando a roupa que se iria se vestir no dia seguinte. Incansável na ternura e devotada a sacrifícios extremos.
Quando adolescente percebi seus olhos umedecidos quando fui estudar, em lugar distante. O abraço apertado. O beijo carinhoso.
Com o peito constrangido, a garganta seca, parecia que tinham arrancado um pedaço de seu coração. Do fundo dela, brotavam palavras de um amor grandioso, que a mim envolvia. -- Vai meu amado filho, segue pela vida, em busca da alegria por todos nós. Busque dias luminosos. Não desista. Não temas
Longe de seus olhos, recluso, doía-me a lembrança constante do lar. Não se tratava de ter ou não capacidade de ficar só, tratava-se de viver a sua ausência. Não a ausência da perda ou de estar longe, mas a presença do amor ausente.
O tempo transcorreu.
O estudo, o trabalho, fazia rarear os meus dias de visita, mas não a doce recordação daquele olhar sobre natural. Só ela, nos momentos difíceis, revelava os segredos da vida e com suas palavras, todo o mistério desaparecia.
E foi assim por toda uma vida inteira.
Nos últimos anos de existência, ainda era capaz de reunir forças para suportar as provações do destino. A perda do companheiro inseparável e de um dos filhos, não amesquinhou seu coração. Continuou a pessoa bondosa que sempre foi com seus semelhantes.
Quando seu tempo chegou, ainda senti ouvir suas últimas palavras: "não estava cansada da vida, e sim agradecida pela vida que Deus lhe deu, mas sabia que sua missão havia terminado na Terra e já era hora de partir". Nenhum pranto correu mais sentidamente do que cercava aquele carinho igual, deixar os filhos o outro de se encontrar com o querido marido.
Tinha a persuasão íntima que alguém estava esperando por ela. A saudade feria demais. Exprimiu com um suave sorriso, a alegria de ir ao encontro do seu grande e único companheiro, agora na certeza da companhia eterna.
Partiu e não me deixou.
Nascido naquela casa cristã, ela tinha a paixão, a religião de Jesus. Pertencia aos que sempre acreditaram que a vida na Terra se continua no plano superior.
Como sempre, neste segundo domingo do mês maio, em homenagem a nobreza de sentimentos de todas as mães, celebra-se o seu dia universal, o reluzente brilho de seu amor.
Por certo, todos os meus queridos familiares estarão reunidos, como há tantos anos fazemos, num almoço de paz, de amor e gratidão. Será este ano mais iluminado, com a presença dos netos Letícia e Gabriel, a fiar de novo a esperança e a acender a tocha que a vida se renova e merece ser vivida em sua plenitude.
Mais tarde, haverá um momento, que irei me afastar, sem que ninguém a perceber, e irei de encontrar meu olhar sobre alguns vasos de antúrios, que ainda resistem aos tempos de outrora.
Meu pensamento voe até aquele florido jardim, entre suas rosas, hortênsias, samambaias e antúrios, com lagrimas escapando de meus olhos e transbordando o coração, transmita que a saudade dela, continua doendo em mim.
Guaraci Alvarenga é advogado (guaraci.alvarenga@yahoo.com.br)