Opinião

Ainda uma vez, adeus

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"Enfim te vejo! enfim posso,/Curvado a teus pés, dizer-te,/Que não cessei de querer-te,/Pesar de quanto sofri". Assim começa "Ainda uma vez -- adeus", de Gonçalves Dias, obra-prima da dor-de-cotovelo na literatura de língua portuguesa. Neste ano do bicentenário do poeta maranhense (ele nasceu em 10 de agosto de 1823), vamos relembrar alguns de seus versos mais significativos. "Ainda uma vez..." nasceu de um desafortunado caso de amor. Todos sabem que Antônio Gonçalves Dias é um dos grandes nomes de nossa literatura. Um escritor e tanto, admirado pelos colegas (Manuel Bandeira, por exemplo, foi um dos gigantes a louvá-lo), reconhecido em vida e perpetuado pela história literária. Mas (ah, essa terrível conjunção) houve quem com ele não simpatizasse, e não por razões artísticas, mas por preconceito racial e ranço moralista. O poeta conheceu uma jovem maranhense, Ana Amélia Ferreira do Vale, em 1851, quando ela tinha 20 anos, e ele, 28. Apaixonou-se pela garota. Ele era então um bacharel em Direito formado em Coimbra, talentoso poeta e dramaturgo em ascensão, que viria a publicar "Canção do exílio" ("Minha terra tem palmeiras/Onde canta o sabiá(...)"), um dos textos mais populares da literatura brasileira. Pediu a mão de Ana Amélia em casamento, mas a mãe dela recusou. A sogra não queria por genro um rapaz mestiço e bastardo (o pai do autor, comerciante português radicado no Maranhão, engravidou uma jovem cafuza, mas não se casou com ela). O poeta escreveu carta ao amigo José Joaquim, irmão de Ana Amélia, tratando de seu drama sentimental. O documento está preservado no acervo do Instituto Moreira Salles. Rejeitado pela família de quem amava, Gonçalves Dias casou-se em 1852 com Olímpia da Costa. Viveram um casamento atribulado, desfeito em 1856. O casal teve uma filha, morta ainda na primeira infância. Seguindo o figurino da época, Ana Amélia casou-se com um marido escolhido pela mãe da noiva. Um dos motivos para brotar o "Ainda uma vez..." seria o reencontro casual de Gonçalves Dias com a quase ex - ela de braço dado com o marido. Ana Amélia fingira não o conhecer e teria lhe virado o rosto. Passagem que inspiraria o trecho "Mas que tens? Não me conheces?/ De mim afastas teu rosto?/Pois tanto pode o desgosto/Transformar o rosto meu?". O eu lírico quer se iludir, supondo que ela não o reconheceu porque o sofrimento transformara demais e para pior as feições dele. Tadinho.

A estrofe final notabilizou-se como exemplo bem acabado do exagero sentimental romântico: "Lerás porém algum dia/Meus versos, d'alma arrancados,/D'amargo pranto banhados,/Com sangue escritos; e então/Confio que te comovas,/Que a minha dor te apiede,/Que chores, não de saudade,/Nem de amor, de compaixão".

Diz a lenda que Ana transcreveu o poema com o próprio sangue! Uau! Cascata tão fantasiosa quanto irrealizável (imagine alguém sangrando o corpo para copiar dezoito estrofes de oito versos cada, num total de 144 versos. Hemorragia para consumir qualquer um).

A infelicidade do escritor legou à literatura uma obra definitiva quando o assunto é desilusão amorosa.

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)

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