Opinião

O lixo mata

23/04/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Não se concede a devida atenção às mortes causadas pela negligência governamental para com as mudanças climáticas. Isso porque, na verdade, quem morre é pobre. Episódios como o de Petrópolis e o de São Sebastião e Franco da Rocha fornecem estatísticas. Ninguém se comove com o desaparecimento dos excluídos.

Uma prioridade é a questão do lixo. Ele está presente em 70% dos alagamentos. Também é o vilão na emissão de gases causadores do efeito estufa, porque tem um descarte inadequado.

Não se vê campanha séria de educação ambiental, para que a população aprenda a cuidar dos resíduos que produz. Em países civilizados, esse resíduo é vendido, ao contrário do que acontece nos países iletrados, em que o povo paga para alguém recolher algo que tem valor e vai ser reaproveitado.

A população deveria ser treinada a ser a guardiã do ambiente. Recolher tudo aquilo que é suscetível de reciclagem, aprender a fazer compostagem, exigir política pública de economia circular, com a logística reversa que é rotineira nas nações desenvolvidas. Quem produz algo tem a obrigação de cuidar de sua vida útil e de se desfazer do que sobra. As ruas não são latas de lixo.

O urbanismo também precisa ser revisto. A ocupação dos espaços íngremes vai bem quando quem constrói é rico. Há fundações, há escoras, há alicerces sólidos. Já o barraco do invisível é aquele que vai deslizar ou ser engolido pela lama quando das precipitações pluviais.

Uma cidade que se preze não poderia conviver com favelas. Não deixar começar a ocupação clandestina. Fazer fiscalização. Cuidar das remoções e de assegurar a seus moradores o direito a uma residência digna. Moradia é direito social fundamental e as prefeituras têm condições de garanti-la aos habitantes de seu território.

A urgência é adotar uma agenda de mitigação para a população que foi historicamente ignorada. No plano das propostas para discurso, para a retórica da política partidária, que virou profissão neste infeliz Brasil, existe um Plano Nacional de Adaptação à Mudança de Clima, desde 2016. O que se fez a partir de então?

A destruição do verde continua, tanto na esfera micro, como na esfera macro. Áreas preservadas vão desaparecendo e dando lugar a ocupações nem sempre ecológicas. Até os condomínios considerados de alto padrão se caracterizam por construção de uma casa quase geminada à outra, sem espaço para uma horta, para um jardim, para um pomar. O concreto é inimigo da natureza. Por isso merece aplauso iniciativa como a do Rio de Janeiro, com o projeto "Cada Favela uma Floresta". Se o espaço ainda não foi ocupado, ou suscetível de vir a ser desocupado numa ocupação irregular e indigna para ser o lar de seres humanos, vier a ser substituído por uma pequena floresta, haverá outro panorama em qualquer cidade que o implemente.

Reutilização de água da chuva, utilização de energia solar, obras de saneamento, ao lado de uma consistente educação ambiental – não uma disciplina nos cursos regulares, mas uma campanha intensa, que envolva toda a população – poderá converter em comunidade ecológica sustentável um espaço deteriorado e habitado por humanos que merecem tratamento com dignidade.

Uma escola de líderes climáticos precisa ser criada pela prefeitura, principalmente quando se propala que o município é um dos melhores do Brasil. Precisa ser melhor em tudo, não apenas em rankings!

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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