Opinião

Fica comigo, Senhor!

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Há duas frases do Evangelho que repito com certa frequência. Uma é a do encontro de Jesus com os discípulos de Emaús, que lhe disseram ao chegarem perto do povoado: "Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando" (Lucas 24, 13-35). A outra quando Jesus aparece à beira do mar de Tiberíades e, após terem passado a noite sem conseguir pescar nada, disse-lhes que lançassem a rede à direita da barca. Aceitaram e não conseguiam puxar a rede para fora, por causa da quantidade de peixes. Então o discípulo a quem Jesus amava - João - disse a Pedro: "É o Senhor".

Em inúmeras situações percebi, em seguida, que era o Senhor. Uma delas, há anos, no tempo em que visitava a cadeia, um dos detentos, preso por furto, me perguntou se Deus perdoava sempre, quando a pessoa estava arrependida. Anunciei-lhe a misericórdia de Deus. Na semana posterior, denunciaram que fora ele que assassinara uma das integrantes da Pastoral da Mulher/ Magdala - problemas com drogas ilícitas -, pela qual eu tinha carinho imenso. Compreendi que o Senhor me sucedera naquela visita, pois se fosse até ele na semana após a revelação, seria difícil olhá-lo sem acidez. O Senhor me precedera para salvá-lo e a mim para não olhá-lo com julgamento. Foi o Senhor.

"Fica comigo, Senhor, porque é tarde e já declina o dia!" Repito sabendo com quem trato, não é um peregrino ignorado.

Fica comigo, Senhor, nos momentos escuros além da própria noite.

Fica comigo, Senhor, porque também entardeço. Mais de seis décadas passaram rápido. Algumas construções de minha adolescência e juventude não existem mais. Foram ao chão com o desenvolvimento ou interesse dos proprietários. Há aquelas que permanecem imutáveis, no entanto minha alma não pulsa por elas, pois quem as habitava e lhes dava vida não se encontra mais em meio a nós.

Fica comigo, Senhor, quando meu pensamento voa além da lucidez, em rumo oposto ao Céu.

Fica comigo, Senhor, quando titubeio e não faço o que me ensinou: "Dizei somente: 'Sim', se é 'sim'; 'não', se é 'não'. Tudo o que passa além disto vem do Maligno" (Mt 5, 37).

Fica comigo, Senhor, quando renasce a saudade dos que eram tão próximos e me perco da fé no reencontro, com o risco de transformar a chama da ternura por eles em cinzas.

Fica comigo, Senhor, quando acontecimentos dolorosos repentinos me sacodem e, em mar turbulento, me extravio, por instantes, do Porto da Cruz.

Fica comigo, Senhor, quando fatos e relatos me incomodam e resisto, reajo, perdendo a oportunidade de vivenciar a humildade.

Fica comigo, Senhor, quando o silêncio se torna inoportuno e eu deixo de me fazer em prece.

Fica comigo, Senhor, quando a solidão me diz de colo e eu não o encontro.

Fica comigo, Senhor, em meus desertos e me faça lembrar de imediato que a Sua Palavra sustenta; que adorarei somente a Deus, renunciando ao demônio e não tentarei ao Senhor.

Fica comigo, Senhor, quando acontece o que escreveu a escritora mineira Adélia Prado: "De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo".

Fica comigo, Senhor, quando não encontrar canção nos versos de meu cotidiano e nem estrelas nas minhas madrugadas silentes.

Fica comigo, Senhor, até o último grão da ampulheta de meus dias, e me mantenha de coração ardente por Seu Amor.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

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