
Em poucos anos, o fentanil, usado como medicamento para tratar dores e como anestésico, ganhou protagonismo negativo. 100 vezes mais forte que a morfina e 50 vezes mais viciante que a heroína, a substância é a que mais mata nos Estados Unidos, com 75 mil registros em um ano. No Brasil, o fentanil não é muito popular, assim como outros opioides, mas já houve apreensão no país. Mesmo que não haja aderência e o acesso seja mais difícil por aqui, é preocupante a possibilidade de que o fentanil se popularize.
Historiador, pesquisador da alimentação, das bebidas e das drogas e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Henrique Carneiro explica que nos EUA o fentanil foi popularizado legalmente. "O fentanil é um opioide extremamente forte e não se tornou epidemia nos EUA por causa do tráfico, mas pela indústria farmacêutica. Lá os opioides começaram a ser receitados há alguns anos para qualquer dor crônica ou aguda."
Hoje, porém, já há laboratórios clandestinos que fabricam o fentanil nos EUA. Para Carneiro, a proibição de drogas inofensivas à saúde faz com que o uso das mais nocivas seja mais perigoso. "No Brasil há uso de sedativos, mas o problema de fundo é que há proibição de algumas drogas e legalização de outras. Nos EUA, o que diminuiu a crise do fentanil foi a legalização da maconha, que passou a ser usada no tratamento das dores e não tem efeitos nocivos à saúde. O Brasil tem uma política atrasada com relação a drogas e se o fentanil vier para cá, pode haver um risco grande."
O pesquisador diz que no Brasil a tendência é de que o uso de depressores potentes não seja tão comum. "A droga mais usada nas ruas do Brasil é o crack, um estimulante, que substituiu um depressor, o álcool. Nas ruas, é melhor ficar alerta do que dormir, ter uma prostração."
EFEITOS
Médico, professor de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) e coordenador da Anestesiologia e do Centro Cirúrgico do Hospital Universitário da FMJ, César de Araujo Miranda diz que o fentanil é um analgésico forte, usado para tratar dor e como sedativo para cirurgias e em UTI. "Os opioides têm várias ações no nosso organismo e diversos perigosos e efeitos colaterais. Junto com o alívio da dor e o bem-estar, vem o sono, coceira, retenção urinária, constipação e o mais perigoso de todos: depressão ventilatória. Ou seja, a pessoa dorme, para de respirar e morre."
O anestesiologista diz que os opioides ocupam o espaço de substâncias produzidas pelo organismo humano, mas muito mais potentes. No caso do fentanil, o relaxamento é exacerbado. "O fentanil é perigosíssimo pelo fato de causar parada respiratória. A analgesia, o prazer e a parada respiratória causadas pelo fentanil andam de mãos dadas. Por essa razão, o fentanil só pode ser utilizado em ambientes com monitorização adequada, vigilância e por médicos habilitados para realizar procedimentos que garantam a manutenção da respiração, como suporte ventilatório e a intubação traqueal, por exemplo. A utilização do fentanil de forma ilícita certamente resultará em suicídio, de maneira que não se trata de discutir se o usuário irá morrer, mas sim quando vai morrer. A morte acontece devido à overdose, pois a margem de segurança é muito estreita e o potencial de dependência química é gigantesca e dificílima de ser tratada."
O efeito do fentanil ocorre com uma dose muito pequena e, segundo César, enquanto medicamento, não é caro, mas outros fatores determinam a popularização. "A popularização de uma droga de abuso não depende só de características da droga, mas também depende de características sócio-econômicas e culturais. A heroína, por exemplo, é uma droga que, pelo preço, não é muito utilizada aqui. Já na Europa e nos EUA, seu uso é muito mais comum. Da mesma maneira, a metanfetamina também não encontrou mercado aqui. O mesmo não se pode dizer da maconha e, principalmente do crack, que aqui já causa problemas sociais gravíssimos. Além disso, os EUA sempre foram mais liberais em relação ao acesso a opioides do que o Brasil."
RARÍSSIMO
Delegado da Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) de Jundiaí, Marcel Fehr diz que o fentanil ilícito não é encontrado com facilidade no país. "Não houve nenhum registro de fentanil até o momento. A grande parte das drogas apreendidas aqui na região é de cocaína, maconha e variantes, como K2 e skank, crack e lança-perfume. Entre as drogas sintéticas, eventualmente apreendemos ecstasy, metanfetaminas. Essas drogas normalmente são consumidas em festas, como raves, que não são comuns na região", explica.
O delegado lembra que o uso no Brasil ainda é estritamente medicinal. "Aqui no Brasil, o fentanil é uma substância usada para fins medicinais, como anestésico. Então, o uso existe, mas com este fim lícito, terapêutico. É o médico que ministra e é uma quantidade mínima, que provoca uma alteração psíquica. O uso é regulado pela portaria 344 de 1998 da Anvisa."
Marcel lembra que, embora aconteça às vezes, a distribuição de drogas no Brasil e na região costuma ser 'tradicional', sem substâncias novas. "O K2 é sintético, mas é uma droga fumada. Substância controlada, usada em fins terapêuticos, geralmente é desviada de um hospital, por exemplo. Não tivemos também nenhuma comunicação deste tipo de desvio. Nos EUA, já há produção em laboratórios clandestinos."