PERIGO

Embora fentanil não se popularize no Brasil, hipótese assusta

Por Nathália Sousa |
| Tempo de leitura: 4 min
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O fentanil ilícito foi apreendido pela primeira vez no Brasil no começo deste ano
O fentanil ilícito foi apreendido pela primeira vez no Brasil no começo deste ano

Em poucos anos, o fentanil, usado como medicamento para tratar dores e como anestésico, ganhou protagonismo negativo. 100 vezes mais forte que a morfina e 50 vezes mais viciante que a heroína, a substância é a que mais mata nos Estados Unidos, com 75 mil registros em um ano. No Brasil, o fentanil não é muito popular, assim como outros opioides, mas já houve apreensão no país. Mesmo que não haja aderência e o acesso seja mais difícil por aqui, é preocupante a possibilidade de que o fentanil se popularize.

Historiador, pesquisador da alimentação, das bebidas e das drogas e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Henrique Carneiro explica que nos EUA o fentanil foi popularizado legalmente. "O fentanil é um opioide extremamente forte e não se tornou epidemia nos EUA por causa do tráfico, mas pela indústria farmacêutica. Lá os opioides começaram a ser receitados há alguns anos para qualquer dor crônica ou aguda."

Hoje, porém, já há laboratórios clandestinos que fabricam o fentanil nos EUA. Para Carneiro, a proibição de drogas inofensivas à saúde faz com que o uso das mais nocivas seja mais perigoso. "No Brasil há uso de sedativos, mas o problema de fundo é que há proibição de algumas drogas e legalização de outras. Nos EUA, o que diminuiu a crise do fentanil foi a legalização da maconha, que passou a ser usada no tratamento das dores e não tem efeitos nocivos à saúde. O Brasil tem uma política atrasada com relação a drogas e se o fentanil vier para cá, pode haver um risco grande."

O pesquisador diz que no Brasil a tendência é de que o uso de depressores potentes não seja tão comum. "A droga mais usada nas ruas do Brasil é o crack, um estimulante, que substituiu um depressor, o álcool. Nas ruas, é melhor ficar alerta do que dormir, ter uma prostração."

EFEITOS

Médico, professor de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) e coordenador da Anestesiologia e do Centro Cirúrgico do Hospital Universitário da FMJ, César de Araujo Miranda diz que o fentanil é um analgésico forte, usado para tratar dor e como sedativo para cirurgias e em UTI. "Os opioides têm várias ações no nosso organismo e diversos perigosos e efeitos colaterais. Junto com o alívio da dor e o bem-estar, vem o sono, coceira, retenção urinária, constipação e o mais perigoso de todos: depressão ventilatória. Ou seja, a pessoa dorme, para de respirar e morre."

O anestesiologista diz que os opioides ocupam o espaço de substâncias produzidas pelo organismo humano, mas muito mais potentes. No caso do fentanil, o relaxamento é exacerbado. "O fentanil é perigosíssimo pelo fato de causar parada respiratória. A analgesia, o prazer e a parada respiratória causadas pelo fentanil andam de mãos dadas. Por essa razão, o fentanil só pode ser utilizado em ambientes com monitorização adequada, vigilância e por médicos habilitados para realizar procedimentos que garantam a manutenção da respiração, como suporte ventilatório e a intubação traqueal, por exemplo. A utilização do fentanil de forma ilícita certamente resultará em suicídio, de maneira que não se trata de discutir se o usuário irá morrer, mas sim quando vai morrer. A morte acontece devido à overdose, pois a margem de segurança é muito estreita e o potencial de dependência química é gigantesca e dificílima de ser tratada."

O efeito do fentanil ocorre com uma dose muito pequena e, segundo César, enquanto medicamento, não é caro, mas outros fatores determinam a popularização. "A popularização de uma droga de abuso não depende só de características da droga, mas também depende de características sócio-econômicas e culturais. A heroína, por exemplo, é uma droga que, pelo preço, não é muito utilizada aqui. Já na Europa e nos EUA, seu uso é muito mais comum. Da mesma maneira, a metanfetamina também não encontrou mercado aqui. O mesmo não se pode dizer da maconha e, principalmente do crack, que aqui já causa problemas sociais gravíssimos. Além disso, os EUA sempre foram mais liberais em relação ao acesso a opioides do que o Brasil."

RARÍSSIMO

Delegado da Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) de Jundiaí, Marcel Fehr diz que o fentanil ilícito não é encontrado com facilidade no país. "Não houve nenhum registro de fentanil até o momento. A grande parte das drogas apreendidas aqui na região é de cocaína, maconha e variantes, como K2 e skank, crack e lança-perfume. Entre as drogas sintéticas, eventualmente apreendemos ecstasy, metanfetaminas. Essas drogas normalmente são consumidas em festas, como raves, que não são comuns na região", explica.

O delegado lembra que o uso no Brasil ainda é estritamente medicinal. "Aqui no Brasil, o fentanil é uma substância usada para fins medicinais, como anestésico. Então, o uso existe, mas com este fim lícito, terapêutico. É o médico que ministra e é uma quantidade mínima, que provoca uma alteração psíquica. O uso é regulado pela portaria 344 de 1998 da Anvisa."

Marcel lembra que, embora aconteça às vezes, a distribuição de drogas no Brasil e na região costuma ser 'tradicional', sem substâncias novas. "O K2 é sintético, mas é uma droga fumada. Substância controlada, usada em fins terapêuticos, geralmente é desviada de um hospital, por exemplo. Não tivemos também nenhuma comunicação deste tipo de desvio. Nos EUA, já há produção em laboratórios clandestinos."

Anestesiologista, Dr. César de Araujo Miranda, da FMJ
Anestesiologista, Dr. César de Araujo Miranda, da FMJ

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