Opinião

Foi-se mais um!

30/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Aos poucos, vão-se as referências. Foi-se para o etéreo o Menestrel Maldito, o Juca Chaves. Fez parte de minha adolescência. Vibrava com suas sátiras. Sabia de cor o "Presidente Bossa-Nova" e aquela música do Porta-Aviões: "O Brasil já vai à guerra". Ele era bem corajoso: rimava o custo da quinquilharia - 82 milhões - com um adjetivo aplicado a quem o vendera para o Brasil: "Mas que ladrões!".

Era um frasista excepcional. Foi muito repetida a sua frase sobre a imprensa: "No Brasil, a imprensa é muito séria. Se você pagar, eles publicam até a verdade!". Mas eu gostava mesmo era de suas modinhas: "Por quem sonha Ana Maria", "Menina", "Pequena Marcha para um grande amor". A música "Cúmplice" é de uma beleza melodiosa que já não existe mais.

No tempo em que Juca surgiu e ganhava espaço na mídia, Jundiaí tinha um grupo que tocava violão e fazia serestas, reunia-se para cantar e para compor. Giba Novaes e seu irmão Delega, o Antonio Edmundo Fraga de Novaes, Flavinho Della Serra, tocavam Juca Chaves. Já o Wagner Morais Oliveira, cantou muito Juca Chaves antes de cultivar os italianos Sérgio Endrigo, Pepino Di Capri, Gianni Morandi, naquela fase da Rita Pavone.

Conheci Juca Chaves e sua musa Yara na casa de Mariazinha Congilio, a grande Embaixatriz de Jundiaí. Divulgava nossa cidade em todos os espaços e conseguia trazer para cá artistas, políticos, personalidades culturais e celebridades. Tudo por sua conta. Chegava a hospedá-los em sua casa à rua Senador Fonseca, bem próxima à sede central do Clube Jundiaiense, onde muitas festas aconteciam.

Mais tarde, cheguei a almoçar com Yara e Juca em casa de Emy e Paulo Bomfim. Os almoços bonfinianos eram o acontecimento paulistano mais disputado. Todos os dias havia alguém para repartir os quitutes perpetrados primeiro pela Lúcia, depois pela Teresa.

Juca, sempre com o violão, não se recusava a lembrar de músicas que os convivas pediam. E também compunha para oportunidades especiais. Nos tempos em que não havia ainda o celular fac-totum, que filma e grava, perdeu-se muita coisa que hoje só existe nos jardins da memória.

Essa graça natural, a versificação espontânea, o encadear de rimas em melodias de fácil memorização, já não existe nos contemporâneos. Ao menos, não vejo vicejar com tanta facilidade no bate-estaca da percussão de grande parte daquilo que chamam de música.

O Menestrel do Brasil, o humor inteligente, a veia satírica, o charme de uma voz tranquila, a afinação de Juca Chaves, farão muita falta ao mundo. Quem comporá uma canção como "Menina: ouça o que eu digo. O meu castigo tive-o só por te adorar". Menina, ouço eu te imploro. O que hoje eu choro são preces de um coração que só pecou por soluçar por ti menina. Que eu amo tanto, porque meu pranto quase secou. Quisera ouvir-te um dia dizer-me: eu te amo amor, como jamais nunca se amou. Mas que tristeza, tua beleza não deste a mim e eu ainda não sei por que tal razão. Agora, eu vivo amargurado, sem ter seu vulto ao lado deste jovem coração, já caducando de paixão, por ti menina. Que bom seria se eu fosse um dia contemplado por um beijo teu. Assim, a minha lira que por ti não mais suspira não teria o fim que teve, pois morreu".

Procurem ouvir "Sentir-se jovem": sentir-se jovem é sentir o gosto de envelhecer ao lado da mulher. Curtir cada ruga de seu rosto que a idade sem vaidade lhe trouxer. O corpo transformar-se em escultura e o tempo apaixonado é o escultor. A melhor ginástica é o sorriso e quem sorri de amor não envelhece. Não faça da velhice uma desculpa, nem da juventude profissão. Fica mais velho quem tem medo de velho. Velho é se drogar de juventude, ser jovem é saber envelhecer.

Juca Chaves: leve um pouco de sua música e de seu humor para o lado de lá. O de cá parece não ter muito disso a oferecer.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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