OPINIÃO

A solidez dos primeiros anos

26/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O estado lamentável da educação brasileira deriva de uma série de fatores. Uma colônia impedida de ter Universidade e gráficas, diante dos ciúmes da metrópole, temerosa de que os colonos se tornassem eruditos e capazes de vida autônoma, nunca se mostrou realmente afeiçoada pela escola. A sociedade não foi treinada para conferir à educação o seu verdadeiro valor. Mesmo assim, há bons exemplos de formação, quando se verifica a relevância das escolas confessionais.

Posso me considerar privilegiado quando meus pais me confiaram às Irmãs Vicentinas da Escola Paroquial Francisco Telles e depois me encaminharam ao então Ginásio Divino Salvador, mantido pelos padres salvatorianos. Posso falar como Ernest Renan, em seu livro "Recordações de Infância e Juventude", ter sido educado num "colégio de excelentes padres, que me ensinaram o latim à maneira antiga (que era a boa maneira)". Também fui privilegiado por conviver com Padre Paulo de Sá Gurgel, Padre Mário de Sá Gurgel, Padre Miguel Schlerdon, Padre Angelo Zanella, Padre Dietmar Graeter, e dizer, como Ernest Renan: "esses dignos sacerdotes eram os homens mais respeitáveis do mundo. Sem nada do que hoje se chama pedagogia, praticavam a primeira das regras da educação que é a de não tornar demasiados fáceis exercícios cujo fim está em vencer a dificuldade. Procuravam, acima de tudo, formar homens honestos. Suas lições de bondade eram, para mim, inseparáveis do dogma que eles ensinavam".

Pode-se encontrar falha na educação religiosa. Nenhuma obra humana é insuscetível de imperfeições. Mas a intenção dos mestres era a melhor possível. É preciso reconhecer que aquelas simples, sólidas e honestas disciplinas deixavam profundas marcas para as jovens inteligências. Pois "a base das antigas normas de educação era uma severa moralidade, considerada inseparável das práticas religiosas, um modo de entender a vida como implicando deveres para com a verdade".

Esse é o núcleo da educação católica antiga: "meus professores me ensinaram alguma coisa que valia infinitamente mais do que a crítica ou a astúcia filosófica: ensinaram-me o amor à verdade, o respeito pela razão, a seriedade da vida. Eis aí a única coisa que em mim nunca variou. Saí das mãos daqueles mestres com um senso moral tão resistente a todas as provas, que a leviandade parisiense, logo em seguida, resvalou sobre ele sem conseguir alterá-lo".

Não passei pela experiência parisiense na adolescência. Mas o mundo não é tão diferente quando se trata de alicerces morais. Encontro mais uma analogia com a vida de Ernest Renan, que confessa: "De tal modo nasci para o bem e a verdade, que me teria sido impossível dedicar-me a uma carreira que não fosse consagrada às coisas do espírito. Meus mestres me tornaram de tal modo inapto para qualquer ocupação de caráter temporal, que me senti marcado por uma vocação inelutável para a vida espiritual. Esta era, para mim, a única vida nobre: todas as profissões lucrativas me pareciam servis e indignas de mim. A esse bom e são programa de vida, que meus professores me inculcaram, nunca renunciei".

Essa iniciação religiosa e moral persiste. A opção pelo direito foi resultante dela. A tentativa de fazer justiça, uma decorrência natural. A docência, a ingênua proposta de repartir tais princípios. Algo nada fácil numa sociedade tão comprometida com o ego, com o consumismo, o materialismo e outros ismos.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.