Opinião

Fome & Vergonha

23/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

É um deboche que o Brasil, celeiro mundial, o campeão do agronegócio no planeta, conviva com trinta e três milhões de famintos.

A tendência da maior parte da população é vestir uma blindagem de insensibilidade, sob argumento de que o problema é tão complexo, que não se pode culpar ninguém. Como a responsabilidade se dilui entre quase duzentos milhões de habitantes que, em tese, não passam fome, as coisas continuam como sempre foram. Ou pior, vão se tornando cada vez mais graves.

Culpados somos todos. Aqueles que nos alimentamos e não passamos fome, nem sempre nos damos conta de que desperdiçamos muito alimento. Pessoas tidas por educadas, com formação universitária e pós-graduação, costumam deixar alimento no prato. Como se fora elegante não devolver o prato sem qualquer sinal da comida que ali esteve durante a refeição. Não: é falta de educação e falta de caridade.

Mas a responsabilidade maior é do poder público. Ele não abdica das chefias de gabinetes, das viaturas, da propaganda institucional, quase sempre destinada a enaltecer o chefe do poder, para perpetuá-lo na vida pública. A fome não passa por seus projetos. Estes são outros: bem localizados e voltados, exclusivamente, para o próprio interesse.

Miserável política partidária a que não enxerga que inexiste futuro para um país que deixa seus filhos passarem fome. Quando alimentar os necessitados não é apenas uma ação filantrópica ou caritativa, mas é uma questão de inteligência.

Como assim? O sujeito com fome vai parar na assistência social e no sistema de saúde. Custa mais caro do que mantê-lo alimentado. O famélico pode praticar crimes que até são batizados com esse verbete que, de substantivo, vira adjetivo: "furto famélico". Onde ele vai parar? Segundo a Justiça Criminal brasileira - as estatísticas é que comprovam - seu destino é a prisão. E prisão é a pior solução: custa caro e converte o encarcerado num revoltado, num ser irado e pronto a se vingar da sociedade que o não compreendeu.

Por isso, alimentar o faminto é muito mais barato do que deixá-lo atuar como teleguiado pelas resultantes da fome.

Um ser bem alimentado arrefece na sua vontade de se vingar do mundo. Recobra a alegria de viver. Pode se agarrar às chances que dizemos a ele que estão disponíveis: assumir o controle de seu destino, resgatar seus atributos de dignidade, perseguir seus ideais e se redimir de uma situação incompatível com o status correspondente à cidadania.

O Estado de São Paulo tem uma experiência bem-sucedida: o Bom Prato. Alimentação a preços módicos. As Prefeituras deveriam conveniar-se com o Estado e manter em seu território várias unidades do Bom Prato. Inclusive subsidiando aqueles que sequer disponham do real para pagar pelo almoço.

A estrutura encarregada do funcionamento desse serviço conferiria ocupação remunerada muito mais importante para a cidade do que a multiplicação de cargos de assessoria, os "aspones" de que as administrações municipais estão infladas, para atender aos apaniguados que garantiram alguns votos ao eleito.

Uma cidade que enfrentasse o problema da fome seria um exemplo para a nacionalidade. A ser seguido por aqueles exercentes de funções públicas que se autodeclaram cristãos, humanistas, seres sensíveis, mas que convivem com a miséria sem ao menos se ruborizarem.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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