Opinião

Prisão é veneno

12/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Tem-se a impressão de que a comunidade jurídica se esqueceu completamente de que o cárcere não nasceu como sanção autônoma. A prisão só servia para impedir que o condenado escapasse à aplicação da pena. Com o passar do tempo, apurou-se que a segregação e a privação da liberdade era mais aflitiva do que o próprio castigo e a prisão se converteu em panaceia. Serve para tudo.

Não canso de repetir, depois de permanecer quase meio século no sistema Justiça - quatro anos no Ministério Público, quarenta na Magistratura, mais os cinco anos de bacharelado - que o Brasil prende muito e prende mal.

Notícias destes dias, que me deixam angustiado. Mulher é presa porque furtou carne de um supermercado. No país em que trinta e três milhões de pessoas passam fome diariamente, o furto de carne teria de ser considerado famélico. Não é justo que o "celeiro do mundo", o campeão do agronegócio, "que é pop, que é tudo", deixe seus filhos sem alimentação.

Enquanto isso, as grandes falcatruas, os bons negócios que envolvem milhões, estes são tão bem feitos, que permanecem impunes. Tinham razão os brasileiros de antigamente quando diziam: "quem rouba um real é ladrão; quem rouba milhões é barão!".

Outro caso que me chocou foi o da prisão civil de um alimentante que estava em atraso com sua pensão. O caso concreto: trabalhador que ganha dois salários mínimos tinha de pagar um para o filho que está na guarda da ex-mulher. Guarda recentemente adquirida, porque até há pouco, o filho continuava com o pai.

Este se casou novamente em tem mais dois filhos. Com o salário-mínimo que lhe resta, tem de sustentar quatro pessoas.

Ficou devendo dois meses de pensão em 2018 e hoje a conta chegou a 36 mil reais. Esse é outro segredo que os economistas deveriam explicar para os jejunos: como é que os juros sobre juros, o anatocismo, a correção monetária e demais cálculos fazem chegar dois salários-mínimos de 2018 em 36 mil reais em 2023!

Irritada com uma foto no instagram, da atual mulher do ex-marido, que se afirmou muito feliz com os filhos, a ex-mulher insiste na prisão do pai de seu filho. Ordem imediatamente cumprida.

Decisão formalmente incensurável. Todos os dispositivos legais citados de forma tecnicamente irrepreensível. Só que o drama não está nos autos. Advogado contactado para impetrar habeas-corpus cobrou quatro mil reais. A atual mulher corre à defensoria pública, mas esta atende somente com hora marcada e desde que a consulta seja previamente agendada.

Resultado: escoar-se-á o trintídio da prisão. O encarcerado vai ser exonerado de seu emprego. Ficarão sem sustento o filho do primeiro leito e os dois do segundo. Quem ganhou com isso?

Quando comecei a me interessar pela formação e preparo dos magistrados, cheguei a realizar psicodrama na Escola Paulista da Magistratura, para que o futuro juiz chegasse a interpretar vários papéis: o de réu, o de defensor, o de promotor, o de testemunha, para bem poder exercer o de juiz. Penso que todo juiz - e todo promotor, principalmente o promotor, para quem a única resposta para todas as infrações é a cadeia - permanecesse um dia no cárcere, para saber como funciona o sistema penitenciário brasileiro.

Sobra técnica e falta sensibilidade, humanismo, compaixão, compreensão da fragilidade humana. Enquanto isso, já somos o terceiro país que mais prende. Por isso é que a delinquência aqui acabou.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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