Opinião

Ambiente e religião

08/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Uma sociedade que se diz cristã não pode também vangloriar-se da condição de "Pária Ambiental". Sacrificar o ambiente é vulnerar a lei divina. O planeta foi criado de maneira tal, que toda espécie de vida se vincula por elos indissolúveis. Quebrado um deles, toda a cadeia se desmorona. E quem vai sofrer as consequências é aquilo que estiver vivo.

Dentre todas as espécies de vida, a mais frágil é a humana. Vive algumas décadas, não mais, e volta ao pó de onde veio. Deixa tudo aqui. Patrimônio, legado do que fez, mas também as sequelas da destruição.

Os mais conscientes dentre os ecologistas eram profundos conhecedores dessa realidade. Nunca é demais exaltar a figura excelsa de Paulo Nogueira Neto. Docente respeitado e amado por seus discípulos, cientista de prestígio universal, membro da Comissão Brundtland da ONU, foi um dos responsáveis pela elaboração do conceito de sustentabilidade (sabendo usar, não vai faltar), foi o primeiro Secretário do Meio Ambiente, quando ainda não existia o Ministério.

Foi o único brasileiro ganhador da Medalha Duque de Edimburgo pela proteção ao meio ambiente. Quando questionado sobre se havia divórcio entre ciência e religião, Paulo Nogueira Neto respondeu: "Dava os meus primeiros passos no campo da Ciência quando visitei uma das mais antigas Universidades dos Estados Unidos. Fui convidado para um jantar. O ambiente era dos mais sofisticados, iluminado à luz de velas. Os participantes eram jovens professores ou doutorandos. Em certo momento, a conversa girou sobre Religião e questões relacionadas. Alguns dos presentes ridicularizaram a Religião. Isso me deixou indignado. Nessas circunstâncias, ficar calado seria para mim uma covardia. Comecei a discutir com eles, com toda a seriedade, enquanto meus opositores formulavam frases de efeito e pareciam se divertir com elas".

E continuou: "Sou cristão, católico praticante. Quero, porém, salientar que a situação aqui referida é, em parte, consequência de que a Igreja não ensina ainda, nos catecismos escolares, que a evolução foi o instrumento usado por Deus para criar o nosso mundo vivo. Para chegar ao homem. Não somente os profetas ensinam coisas sobre Deus. Também os cientistas fazem ensinamentos proféticos, pois a verdade é uma só. O ensino religioso deveria mostrar o capítulo do Gênese como alegoria ou parábola maravilhosa, de grande valor moral. Jesus pregava frequentemente por parábolas. As novas gerações não se dão conta de que o big-bang, a "explosão" que criou o Universo, somente pode ser explicada como um ato de criação, que exige um criador muito além dos limites que a Ciência pode medir, pesar testar, analisar e até observar".

Em consonância com essa visão que concilia Ciência e Religião, o Papa Francisco elaborou a Encíclica "Laudato Si", onde adverte a humanidade sobre o ecocídio que ela pratica e que, no Brasil, chegou à quintessência da catástrofe, com o extermínio de um patrimônio que levou milênios para ser entregue ao nosso uso. Não ao nosso abuso.

Todos os biomas brasileiros estão ameaçados e, apesar dos protestos, dos congressos, dos tratados e das promessas, é muito difícil incutir na mente empedernida do bicho-homem destruidor a consciência de que ele deve ser guardião da natureza. Até por interesse egoísta, pois sem natureza, não haverá vida. Tudo soçobrará.

Atentemos ao que disse Paulo Nogueira Neto e leiamos e observemos a Encíclica "Laudato Si". É nossa única alternativa à tragédia.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e autor de "Ética Ambiental" (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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