Opinião

Apenas um subversivo

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Autobiografia de Dias Gomes, "Apenas um subversivo" conta a trajetória de um dos grandes nomes da dramaturgia brasileira. Nascido na Bahia, em 1922, Alfredo de Freitas Dias Gomes perdeu o pai muito cedo. Mudou-se com a mãe e o irmão mais velho para o Rio de Janeiro na década de 1930. Autor de peças teatrais, redator de programas de rádio, telenovelista, Dias Gomes mostra aspectos inusitados de sua vida. O livro procura fugir do cabotinismo, evitando inflar ainda mais o ego de quem escreve sobre a própria vida.

No palco das fofocas e anedotas, sobra para alguns figurões da cena cultural brasileira, como Glauber Rocha. O cineasta disse para Anselmo Duarte, diretor do filme "O pagador de promessa", que Gomes estava "preocupadíssimo com sua direção". Lorota. O autor confidencia que Duarte não era sua primeira opção para dirigir, mas que aprovou a versão para o cinema de sua premiada peça. O resto é história, com o filme recebendo a Palma de Ouro do Festival de Cannes e rodando o mundo, fazendo sucesso por toda parte.

Sobra também para o ator Sérgio Cardoso, que mesmo sem ter lido a sinopse de "O Bem-Amado" dissera que não gostara do papel que lhe caberia - o do coronel Odorico Paraguaçu. Boni, o todo-poderoso diretor da Globo, perguntou a Gomes quem ele escolheria e o autor propôs de imediato Paulo Gracindo, até então um veterano ator de rádio, mas com papeis secundários na televisão. Odorico elevou Gracindo ao estrelato. Quanto às anedotas, tem a da censura à primeira versão de "Roque Santeiro". A telenovela era uma adaptação da peça "O berço do herói", encenada até nos Estados Unidos, mas que há muito tempo estava vetada pela ditadura pós-64 no Brasil. Gomes adaptou situações e personagens e a telenovela foi liberada. Em conversa telefônica com um amigo, o autor revelou que se tratava de uma adaptação da peça, mas que não haveria problemas com a censura por conta "da burrice de muitos milicos". O telefone do amigo estava grampeado e a novela foi proibida. Reapareceu em nova montagem anos depois, em versão de Dias Gomes e coautoria de Aguinaldo Silva (informação que Gomes, por sinal, omite no livro). Tem ainda a do interrogatório por "atividades subversivas", em que um carrancudo oficial do Exército deixou escapar que fora incumbido pela mulher de saber - sob pena de não entrar em casa - o desfecho de uma novela.

Mulherengo, o dramaturgo não poupa o leitor de algumas aventuras, como a da namorada ciumenta que o ameaçou de morte. Ela talvez cumprisse a ameaça, caso amigos não o sequestrassem e levassem o dom juan para outra cidade. Conta, é claro, seu romance com Janete Clair. De uma antipatia mútua à primeira vista floresceu uma afeição que os uniu por mais de três décadas, até a morte da também telenovelista, vítima de câncer. "Apenas um subversivo" trata ainda da militância política do escritor no Partido Comunista Brasileiro. Mostra algumas de suas desavenças com as diretrizes do partido, assim como muitas ponderações do escritor a respeito da cena política e cultural do Brasil, da década de 1930 até a de 1990. O autor morreu em 1999.

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)

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