Estampadas no noticiário, as cenas da devastação que assolou o litoral paulista, ceifando dezenas de vidas - uma tragédia que nos comoveu a todos e, de imediato, criou uma rede de solidariedade para socorrer as vítimas - deixam mais uma vez clara a dimensão catastrófica do desequilíbrio do clima, embora, em nosso caso, os danos causados pela tempestade tenham sido maiores em consequência do descaso na regulamentação e fiscalização das construções em áreas de risco.
Desde o final do século passado temos assistido, em praticamente todos os lugares do mundo, cenas como essas se repetirem sem que providências sejam tomadas. E o que é pior: há décadas, antes mesmo desse processo ter se iniciado, já havíamos sido alertados para o que estava por vir.
No final dos anos 1970, o cientista inglês James Lovelock, com a colaboração da renomada microbiologista americana Lynn Margulis, publicou um livro revolucionário - "Gaia: Um Novo Olhar sobre a Vida na Terra" - que deixava claro que o clima no Planeta se comporta como um organismo complexo, dependente do bom funcionamento de seus componentes para manter-se saudável. Gaia, na mitologia grega, é a Mãe-Terra.
Ainda que, ao ser lançada, tenha causado um certo impacto, a obra foi persistentemente criticada como parte do "modismo ambientalista" pelos chamados "céticos do clima", com amplo apoio de setores econômicos mundialmente poderosos - basicamente petroleiros e mineradores de carvão - cujos interesses seriam prejudicados caso as medidas necessárias para evitar o desequilíbrio do clima prenunciado por Lovelock fossem tomadas.
Ao longo de todos esses anos, embora seu alerta tenha se tornando a cada dia mais evidente em sua verdadeira dimensão - uma ameaça concreta à sustentação da vida na Terra - e reuniões de cúpula das autoridades de praticamente todas as nações tenham subscrito alguns acordos - a maioria meros paliativos -, as providências efetivas para a diminuição da emissão de gases que causam o efeito estufa até o presente têm ficado aquém do necessário para evitar o prosseguimento do desajuste do intrincado mecanismo que deu origem ao clima terrestre.
E o que é pior: mesmo agora, com as catástrofes resultantes dessa incúria estampadas quase diariamente nas manchetes dos noticiários - a última, que estamos presenciando agora, com a devastação de uma extensa área do litoral paulista, causou dezenas de vítimas, desabrigou centenas de moradores e destruiu as praias ao longo da costa - essas providências têm sido procrastinadas, o que tem levado numerosos cientistas a declarar que estamos - se é que já não ultrapassamos - muito próximos do chamado "ponto de não retorno", quando nenhuma medida, mesmo as mais radicais, poderá impedir o prosseguimento da desorganização do clima terrestre.
A Floresta Amazônica é um exemplo claro da situação em que se encontra o mundo atual. Há anos o cientista Carlos Nobre, seguramente um dos maiores estudiosos do bioma amazônico, tem nos alertado para o risco de estarmos muito próximo da irreversibilidade da sua degradação - quando a floresta dá lugar a uma vegetação do tipo savana, ou seja, é povoada por arbustos e gramíneas ao invés de árvores - sem que medidas concretas tenham sido tomadas para evitar essa catástrofe.
O que fazer?
Em primeiro lugar, entender que a luta pela preservação do clima terrestre é urgente e depende, para ser efetiva, do empenho da cidadania. É preciso ter claro que, caso essas providências não sejam tomadas com a devida urgência e na escala necessária, nossos filhos e netos irão herdar um mundo hostil, no qual a luta não será mais para adquirir riqueza e status, mas pela sobrevivência.
Ou seja: entender claramente que se trata de uma luta que precisa, para avançar, do engajamento militante da cidadania. E é bom ficar claro que se trata de um cenário adverso, agravado pela estupidez de uma guerra que consome recursos vitais para a batalha que realmente importa. Não há como dourar a pílula.
"Isso é uma utopia", poderão alguns dizer, alegando o imediatismo dos nossos interesses. Pode ser. O que nos faz ter esperança, olhando para trás, é que a Humanidade, ao longo de sua história, conseguiu superar, em vários momentos, iguais obstáculos.
Este é um desses momentos.
Miguel Haddad é advogado, foi deputado e prefeito de Jundiaí (miguelmhaddad@gmail.com)