Opinião

Saudades da Chãins

16/02/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Eram três irmãs: Jandira, Lucila e Margot. Pertenciam à privilegiada Família Miranda Duarte. Nela destacava-se Lázaro, o "Professor Lazinho", considerado uma sumidade. Havia também a prima, poeta Ruth Miranda Cirilo, mãe da Lanete, outra menina inteligente. Sem esquecer de José Ruy Miranda Duarte, professor de física e igualmente superdotado.

As três residiam à rua Dr. Almeida, 296, zona central de Jundiaí, onde, a cada sete de setembro, Jandira celebrava seu aniversário. A esse ponto chegava o seu patriotismo. Nascera a 22 de janeiro, mas comemorava no Dia da Pátria. E era devota da brasilidade.

Professora primária, alfabetizou e ensinou a ler - a ler bem!, pois escolhia os livros a serem lidos - legiões de jundiaienses. Lia e escrevia continuamente. Mas o ponto alto era o seu mágico desempenho oral. Ela era apaixonada, seduzia com argumentos irrefutáveis, enxergava muito além do que poderia ser o corriqueiro. Deslumbrava quem a ouvia.

Além do magistério, exerceu o jornalismo. Escrevia crônicas edificantes, enaltecendo figuras da História do Brasil e não se esquecia dos jundiaienses que a miserável memória vai sepultando duas vezes. Uma quando morrem, a outra quando são completamente esquecidos. Militou na crônica social, ao lado de Horta de Macedo, Munira Gebran e com o inesquecível fotógrafo Rigo Sanguini.

Os amigos a conheciam por Chãins. Não sei de onde surgiu esse apelido. Mas assim era chamada.

Nem sei exatamente quando a conheci. Mas me tornei amigo de verdade. A ela devo inúmeras lições. Propiciadas espontaneamente. Gratuitamente. Por amor ao companheirismo, na convivência de espíritos irmãos.

Nas rodas que frequentava, preferia a conversa de homem, apesar de ser amiga leal de pessoas como Joceny Vilela Curado, Adelaide Molina, Marieta Haddad, Mariazinha Congílio, Wilmaleda Lourenção. Nos tempos em que Oswaldão, Oswaldo Almeida Leite, presidia o Clube Jundiaiense, ela era figura onipresente. Sentada com Muzaiel Feres Muzaiel, com Araken e Erazê Martinho, com Picoco Bárbaro, cuja casa era um segundo lar para Chãins. Leta e Oswaldo Bárbaro a consideravam da família. Foi uma das madrinhas no suntuoso casamento de Pituca e Vadinho.

Chãins mantinha diálogos surreais com João Fernandes Gimenes Molina, cuja erudição nos encantava a todos. Seu amor por Jundiaí a fez guerreira de inúmeras causas. Ajudou Mariazinha a fundar o Clube dos Estados, esteve na fundação do Clube da Lady e da Academia Jundiaienses de Letras e Artes. Incentivava todos os movimentos de exaltação à cidade. Simultaneamente, pertencia à Irmandade do Sagrado Coração de Jesus da então Matriz Nossa Senhora do Desterro. Não faltava a um compromisso e defendia sua religião com garra e competência.

Sou um de seus devedores insolventes. Pelo contínuo estímulo. Por me fazer acreditar em minhas potencialidades e não hesitar diante de desafios, a arrostar concursos, a estudar e, quando extenuado, a estudar mais ainda.

Tentou tornar-me melhor. Por exemplo: chegou a ensinar-me a nadar. Debalde. Mas esteve sempre comigo, com minha família, vibrava com os meus passos nas várias carreiras. Ela merecia um monumento aqui, nesta terra que tanto amou e pela qual tanto fez. A muito custo consegui uma certidão de seu assento de óbito, na convicção de que ela completaria seu centenário em janeiro deste ano. De fato, Jandyra Miranda Duarte, filha de José Miranda Duarte e de Maria Cecília Miranda, nascida aos 22 de janeiro de 1923 e falecida aos 24 de agosto de 2015, mereceria ver celebrado o seu centenário no último dia 22. Saudades eternas de você, Chãins!

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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1 COMENTÁRIOS

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  • VIVALDO JOSE BRETERNITZ
    16/02/2023
    Mais um excelente texto, lembrando uma pessoa que não pode ser esquecia.