Opinião

O avesso do avesso

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"E quem vende outro sonho feliz de cidade

Aprende depressa a chamar-te de realidade

Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso"

Caetano Veloso, em Sampa, não poderia ser mais preciso. O sonho feliz aprende depressa que a realidade não é um mar de rosas.

Quem vende sonhos, de maneira geral, com exceção do padeiro (desculpem-me pela piada infantil), está muito distante da realidade sempre. Nada mais parecido com a política. Essa arte do saber conviver e alinhar expectativas. De fazer concessões, de dialogar.

Não há sonho. Não há pureza: diz outra canção que só se encontra tal estado na resposta das crianças. Existe apenas a realidade. Um sistema que não é perfeito, abarrotado de seres, leis, mecanismos....tudo imperfeito. E assim sempre foi, e assim será. E isso não é pessimismo de minha parte, mas uma constatação real de um ponto que muitas pessoas se esquecem: a política é uma ciência HUMANA.

E assim sendo, em suas fileiras, temos seres humanos. Passíveis de erros e também de acertos, que muitas vezes acabam sendo ora subestimados, ora superestimados pelo escrutínio das pessoas. Erros são injustificáveis, acertos não são mais que obrigação.

Não. Não estou sendo condescendente com a corrupção. Mas existe a cobrança de um super-herói, de um gênio das contas. Esperamos sempre um "salvador da pátria". Um Dom Sebastião. Alguém que encarne todas as virtudes e nenhum defeito.

Isso não existe. Não há como. Somos humanos, passíveis de erro. Um amigo muito querido me disse certa vez que a chance de haver um problema mecãnico em determinados motores é de 2%.O erro humano, portanto, causa o maior número de problemas.

Muitos foram os que tentaram pensar num político ideal: para Platão, seria o homem "cabeça", racional. Para Maquiavel, o príncipe ideal seria aquele que tivesse um equilíbrio de virtù e fortuna. Essa última é fácil de entender: é o acaso, a sorte, favorável ou desfavorável. Já a virtù, vem de uma deliberação madura e atenta de como agir (sabedoria e conhecimento).

Já segundo o inglês Thomas Hobbes, os homens precisavam de um Estado forte, pois a ausência de um poder superior resultaria em guerra. O ser humano, que é egoísta (só olha pro que é seu), deveria se submeter a um poder maior, somente para que pudesse viver em paz e também ter condição de prosperar. E esse poder seria dado a alguém que o teria de forma centralizada e absoluta. Marx, na otra ponta, pregava um Estado forte no processo do socialismo para daí acabar com ele no comunismo pleno (sim, é meio complicado entender, mas a ideia básica, bem básica, é essa).

E por aí vai.

Qual deu certo? Nenhuma. Podemos, porém, elencar muitas formas de poder que tiveram menos erros. E é disso que se trata a história humana. A experiência nossa, nessa Terra, tem mais a ver com o que menos erramos do que com acertos.

Que possamos levar isso para a política nossa de cada dia. Que possamos parar de querer encontrar o imaculado e puro em meio à imperfeição, natural do humano.

Só assim poderemos entender melhor como funciona de fato o poder.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

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